Um clássico mais que contemporâneo
CEB Nelson SodréPaulo Ribeiro da Cunha [1]
Na virada do milênio, alguns acontecimentos se apresentam como pontos de partida para uma reflexão. Afinal, em 2009, muitos analistas comemoram a vitória do capitalismo e o conseqüente esgotamento das formas de transição ao socialismo, tal como ele foi expresso no leste europeu; em que pese, reflexões críticas também emergissem, chamando atenção para suas conseqüências sociais e políticas. A história, no entanto, tem suas armadilhas. No mesmo ano, bem pouco tempo depois daquelas precoces comemorações entraria em colapso o modelo do neoliberalismo, cujo acontecimento trouxe a luz alguns questionamentos, em especial, a de evitar referenciar reducionismos teóricos e analíticos como o do ‘fim da história’, tese que ganhou contornos de profecia. Mas social e politicamente catastrófica para a humanidade, a experiência neoliberal seria a pá de cal naqueles analistas que sustentavam a leitura de uma preponderância da mão invisível do mercado associado à idéia do estado mínimo.
Passado os anos, ainda são tempos difíceis para a humanidade, e igualmente para o Brasil, em que uma agenda política recoloca ao país desafios históricos que estavam aparentemente anestesiados; mas que se apresentam em 2010 com outras adjetivações, sem, no entanto, refletir diferenças estruturais e socialmente profundas em relação àquela do último século. Com ele, também se apresenta o desafio de aprendermos explicações e formulações para nós instrumentalizarmos intervir no processo político. Daí a importância de retomarmos os pensadores clássicos, clássicos que são assim referenciados pelos contemporâneos pelas instigantes pontuações que elaboraram em um tempo distante (ou não) bem como pelos instrumentos teóricos formulados para a compreensão dos desafios presentes. [2]
Nessa linha, é que se apresenta em muito boa hora, a reedição do conjunto da obra de Nelson Werneck Sodré, autor clássico do pensamento social brasileiro, e que acontece às vésperas do centenário de seu nascimento. Sua obra é vasta e coerente, abarcando um conjunto de dezenas de livros e milhares de artigos, que versam sobre um arco de reflexões na história, literatura, sociedade, cultura e política. Embora o autor ainda seja objeto de vivas polêmicas, cujas teses são reatualizadas no debate político contemporâneo pelos desafios que enfrentou em elaborar um projeto para a Nação; temos visto nos últimos anos um reexame mais categorizado (e menos preconceituoso) de seus trabalhos. A rigor, esta reflexão clássica orienta-se por um aspecto central, apreender a constituição da sociedade brasileira; exposto em um desafio que se apresenta como possibilidade de apreensão e superação em 03 livros referenciais: Introdução à Revolução Brasileira, História da Burguesia Brasileira e Formação Histórica do Brasil.
Nelson Werneck Sodré elaborou sua obra na condição de duas vocações, paralelas, confluentes e mediadas pela política. Uma delas, como intelectual, foi desenvolvida em grande medida extra-muros acadêmicos, sendo ele um dos últimos intelectuais públicos; daqueles que escreviam e dialogavam idéias para a sociedade e a nação; talvez isso, explique a constante reedição de seus trabalhos. A outra, vocação militar, exercida como oficial de artilharia do exército e que chegou a patente de General de Brigada, que está expressa em 02 livros para apreender o papel dos militares no Brasil: Memórias de um Soldado e História Militar do Brasil. Este último objeto da presente reedição, igualmente se distingue como um clássico. E por quê?
História Militar do Brasil trouxe ao debate político e ideológico uma outra leitura sobre os militares e sua intervenção na história do Brasil, diga-se, nada isenta de polêmicas. Mas diferente de algumas teses que sustentam a presença dos militares por razões endógenas, Sodré chama atenção que eles não estão ausentes do processo político, e muito menos dissociados das influências extra-muros da caserna. Os militares estão inseridos na sociedade e dela recebem influências da mesma forma que são por ela influenciados, se expressando historicamente no processo político pela intervenção da instituição militar ou por grupos, muitos deles nacionalistas, alguns de esquerda. [3]
Na verdade, sua reflexão reflete aquela que é uma de suas teses mais controversas, e a que consequentemente, resultou numa reação contundente de alguns analistas: o exército teve uma formação democrática e assim interviu de forma progressista em muitas ocasiões na história do Brasil. Tese esta ainda sujeita a questionamentos por muitos analistas, mas que o autor não foge a eles, sustentando sua leitura com vasta fundamentação documental e teórica (além de prática pela condição de ter sido oficial do exército). Mas é possível identificar a atualidade de História Militar do Brasil? Se sim, de que maneira? Vamos ao debate.
Inicialmente, vale pontuar como é descrito o processo de constituição do livro, suas fases históricas e a qualificação que estas recebem do autor. A Fase Colonial é a primeira; seguida da Fase autônoma; tendo em 1930, iniciado a Fase Nacional, particularmente importante, e com ela um adendo: o Exército muitas vezes esteve ao lado do povo. A partir de 1945, o autor indica uma subfase, denominada Consulado Militar, iniciada em concomitantemente a Guerra Fria. Nesse momento último, é que se apresentou ao país, o debate democrático e nacionalista; a polêmica sobre o petróleo; as ameaças à Amazônia, confluindo essas questões no Clube Militar. Sodré participava da Diretoria do Clube, cuja chapa incluía oficiais nacionalistas (alguns advindos do tenentismo) e de esquerda, bem como dirigia sua prestigiada Revista. O Clube Militar pontificou naquela ocasião, uma das mais belas e significativas campanhas pela soberania nacional de nossa história: a luta de O Petróleo é Nosso; cuja vitória assegurou seu monopólio e a criação da Petrobrás.
Contudo, um parêntese se faz necessário. Podemos interpretar, sem risco de grandes equívocos, que a geração atual é caudatária da luta destes militares que hegemonizaram po
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