Publicado: Segunda-feira, 1 de abril de 2013
1º de abril: algumas verdades sobre a mentira
Primeiro de abril não faz sentido algum. Diz-se que a data surgiu em algum momento do século XVI na França. Aliás, diga-se de passagem, quase tudo que diz respeito às ideias do mundo, tenha certeza de que surgiu na França. Em alguma idade remota. Parece-me que os franceses sabiam das coisas. Isto não significa que precise fazer sentido.
Nenhum sentido.
Mas a mentira não surgiu no país do iluminismo. Ela é, talvez, tão antiga quanto o próprio homem. Uma narrativa extremamente criativa do que seria um mundo sem mentiras é feita no filme "A Invenção da Mentira". Numa sociedade em que é impossível mentir, homens e mulheres são honestos um com os outros a ponto de se ofenderem diariamente. Nada impede que a menina diga ao rapaz que ele é feio, gordo, tem o nariz esquisito e que ele nunca teria chance alguma com ela. Ou que o chefe demita seu funcionário porque o vê como um incompetente que nunca fez nada direito. A mentira é uma das barreiras que inventamos contra a tragédia da alteridade, ou seja, do viver com o outro.
A mentira é política. Inerente à política. Pela manutenção da política.
Quando falamos de um mundo belo, somos mentirosos. Quando prometemos uma vida melhor às pessoas, somos mentirosos. Quem está no poder tem como único objetivo a sua manutenção. Já dizia Maquiavel. O bem comum é, no máximo, subproduto desta finalidade única. Esta é a situação, mas a oposição não fica longe de ser mentirosa. Tanto quanto a primeira. Afinal, sua única finalidade é trocar de lado. Ocupar algumas cadeiras. Assinar a posse de alguns recursos. É mentirosa porque não tem nada de reformista e nem de revolucionária. Alguns franceses já diziam coisas parecidas com isto.
Enquanto um ideal, a mentira é também uma verdade. Uma porção de verdades. Quando alguém cria uma identidade falsa na internet, é uma mentira. A imagem que rouba de outra pessoa é uma mentira. O nome é de mentira. A profissão, os cabelos, os olhos, a vida. Na mesma medida e em direção contrária, eis as verdades: são estes os ideais da pessoa que contou a mentira. É aquela aparência que ela gostaria de ter. Aquela profissão. Aquele cabelo.
Neste aspecto, lembro-me de um episódio que dominou a imprensa brasileira por alguns dias no início deste ano: o participante do Big Brother Brasil que afirmava ter maltratado um animal. Mais tarde, sua namorada teria dito que o rapaz só conta coisas do tipo "para aparecer". Outra mentira com uma verdade implícita. A maldade não foi cometida, mas o ato de contá-la em rede nacional revela algo sobre o seu autor. Um senso de humor ruim ou a ideia de que isto traria algo de positivo à sua imagem, mesmo que somente no sentido da polêmica.
A mentira revela verdades com os preconceitos. A famosa frase "não tenho nada contra, afinal, tenho amigos que são assim" é um exemplo claro. Serve para gays, negros ou qualquer outra minoria (minoria no sentido sociológico, não númerico). Afinal, quem diz isso tem tudo contra. Era melhor ter ficado quieto. E por isso mesmo joga a vítima do preconceito como alguém inferior a ele: "até conheço gentinha assim, como eu poderia ter preconceito?".
A piada é outra mentira com alguma verdade. Diz o que não somos para provar que, de certa forma, somos sim. Basta pensar nas coisas que nos fazem rir hoje em dia. A desgraça dos outros. Tentei pensar em outras motivações, mas esta basta. Ponto.
O politicamente correto é uma mentira. Ele nos diz para ser alguém que nunca seremos. É um agente que nos dá poucas dicas de como viver num mundo como este em que vivemos, em que nada é, nos fatos, tão bonito quanto nas ideias. Em que, dificilmente, a essência é maior que a aparência. Se é que existe essência. É uma entidade que nos diz que o dinheiro não compra nada, quando na verdade compra tudo. Ou quase tudo, o que já é bastante coisa. O politicamente correto chega no limite de nos dizer o que é ser feliz. E legitima um sentimento com índices estatísticos de felicidade. Pouco importa o conteúdo da mentira, mas a verdade para onde ela aponta. Porque, diferente do senso comum, o que dói é a mentira e não a verdade.
Já sei. Você está esperando uma moral da história. Uma resposta dos franceses sobre isso.
Lamento informar que nem eles têm algo a dizer.
Comentários