1968 - O ano que não terminou
Outro dia, lembrei-me de um distante 3 de outubro, quando minha atenção se dividiu entre três acontecimentos que não poderia ter deixado de lado: as eleições municipais, um pequeno acidente com minha filha e o falecimento da Profª Maria Gema. Apesar da importância dos dois primeiros, foi este terceiro tema que habitou meus pensamentos, não só no velório como também no hospital e na boca de urna, entre a abordagem a um e outro eleitor.
Voltei a 1968, ano de grandes acontecimentos no cenário mundial e, também, de significado marcante em minha história pessoal. O movimento estudantil iniciado em Paris, os tanques soviéticos esmagando a Primavera de Praga, as Olimpíadas do México e o obscuro período da ditadura militar brasileira são alguns episódios que me vieram à mente e se misturaram às lembranças do 1º científico no CENEMEB. Voltaram então as imagens de alguns personagens de minha história particular daquele final de década.
Gaston era, na época, o colega de classe mais próximo, o amigo das intermináveis tardes de conversas sobre as primeiras paixões, o ingresso na universidade, a futura vida profissional e tantos outros assuntos; todos discutidos sob o som das inesquecíveis músicas dos Beatles (outro grande fenômeno dos anos sessenta). Entre os professores, uma figura de forte presença e, ao mesmo tempo, de poética delicadeza foi que me trouxe as recordações do colegial. A Profª Maria Gema era uma das mais brilhantes educadoras do colégio; uma figura que marcou profundamente inúmeras gerações de estudantes.
Sua atenção para com os alunos era exemplar. Lembro-me de que, eu e o Gaston, levamos para uma de suas aulas, e mostramos à professora, a tradução de "Something", uma belíssima canção do quarteto de Liverpool. Sensível como era, rapidamente se envolveu nos versos de George Harrison e, emocionada, comparou a letra da balada às obras de Camões.
No velório encontrei alguns colegas de turma e vários ex-professores, o que me deu uma certa ilusão sobre o inexorável caminhar do tempo. Impossível não refletir sobre o significado da vida e da morte.
Minha filha, Patricia, tem hoje a mesma idade que eu tinha naquela época. Provavelmente, entre seus amigos, deve existir um Gaston e, entre seus professores, uma Maria Gema. Em caso positivo, terá ela, daqui a alguns anos, muita coisa bonita para se lembrar. As inquietações sobre a vida e sobre a morte continuarão presentes; eternas como a poesia das pessoas sensíveis à magia que os besouros ingleses colocaram em suas canções.