A arte do desencontro III
Final de semana prolongado. Folga na faculdade.
Marquinhos adorava o mar. Falou em praia, falou em Marquinhos.
Previsão do tempo: Sol e muito calor nos próximos três dias. Pouca nebulosidade.
Um convite de última hora empolgou o rapaz.
Um casal da velha turma iria para Ubatuba, com eles a irmã mais nova da moça. Marquinhos aceitou o convite mais pela irmã caçula de Sofia do que pela praia.
Ninguém discutia que Sofia superava de longe, em atributos físicos, a sua irmã caçula. Isso de forma alguma desabonava a garota que também causava alvoroço entre os rapazes.
A casa de praia dos pais de Sofia era bastante confortável. Próxima a praia, uma boa varanda e três quartos. Com certeza o quarto dos pais seria ocupado por seu amigo Rogério e sua namorada; Sofia. Ainda sobravam dois quartos.
Era muito quarto para os planos de nosso Casanova!
Chegando lá daria um jeito.
Partiram os quatro na manhã do dia seguinte. Marquinhos e Rogério na frente e as duas irmãs atrás.
Marquinhos havia planejado ir atrás com Juliana, mas no momento em que lhe foi oferecido o banco da frente, não encontrou nenhum argumento em sua engenhosa mente.
O rapaz ficou metade da viagem se lastimando por ter perdido a oportunidade de partir logo para cima da jovem presa. A outra metade da viajem ele dormiu.
Chegando a Ubatuba fez tudo certo. Carregou a bagagem da moça, puxou a cadeira para ela sentar na hora do almoço e fez algumas piadinhas que agradaram a todos.
À noite, ao se deitar, Marquinhos considerou positivo o saldo da jornada até ali. Sentia que a menina simpatizara com ele. Juliana o chamava pelo abusado apelido de “Ma”.
Chegou a noite. A casa não tinha forro e, tudo que acontecia num quarto era perfeitamente ouvido no resto da casa. Sofia e Rogério passaram boa parte da noite aproveitando a oportunidade de estarem longe dos pais, a sós numa cama de casal. Marquinhos descobriu, naquela verdadeira audição noturna, que Sofia não era tão recatada quanto imaginava.
O rapaz ficou um pouco incomodado com aquela sem-cerimônia do casal de amigos. Lembrou que Juliana, no outro quarto, estava ouvindo tudo assim como ele. Ficou ainda mais sem graça. Quando o dia quase amanhecia Marquinhos conseguiu finalmente um pouco de paz para dormir, o casal ao lado havia dado uma folga.
O sol prometido pela previsão do tempo veio ainda mais forte do que o esperado, a praia estava cheia. Cachorro, criança, milho cozido, bola de futebol, prancha de isopor... Tava tudo lá, mas Marquinhos só tinha olhos para Juliana.
A garota era realmente um estouro. Fartura onde cabia fartura e, comedimento onde cabia comedimento.
Ma, como dizia Juliana, sorvia com prazer a sua raspadinha de groselha e, quase engasgou quando a moça levantou-se e veio para o seu lado. Colocou a mão quente em seu ombro e pediu-lhe afobada:
- Ai Ma, pelo amor de Deus... Tá vendo aquele cara de sunga verde limão vindo pra cá?
Marquinhos nem teve tempo de responder e a garota continuou:
- É meu ex-namorado... Eu não quero falar com ele. Faz de conta que você é meu namorado, tá? Só prá ele não encher o meu saco.
Aproxima-se o rapaz da sunga verde limão e Marquinhos cumprimentou o rapaz com uma firmeza muito consistente:
-Oba! E aí? Tudo jóia?
O rapaz retribui a saudação de forma cordial e já foi pegando a mão de Juliana .
- Você não nos apresenta?
A menina, visivelmente perturbada pela presença do rapaz, sorriu amarela e fez a apresentação:
- Marcelo, esse é o Marquinhos, um amigo da Sofia. Marquinhos, Marcelo.
Partiram Juliana e Marcelo caminhando lado a lado pela praia, conversando sobre sabe-se lá o quê. Largaram o aturdido Marquinhos com o copo de raspadinha sabor groselha na mão.
Para esfriar a cabeça o moço resolveu entrar no mar. E a água estava deliciosa!
Quando voltou ao guarda sol, contou com certo ar de desinteresse sobre o tal Marcelo que havia chamado Juliana para um passeio. Sofia nem deixou Marquinhos continuar, foi logo sentenciando:
- Esses dois não podem se ver! Quando namoram só brigam, aí, quando estão brigados, é cada lua de mel...
A última esperança de Marquinhos era assim sepultada.
À noite os três jogaram cartas. Deram boas risadas e foram dormir. Juliana não tinha voltado para casa desde o encontro com Marcelo na praia.
Mal o rapaz colocou a cabeça no travesseiro e Sofia soltou o primeiro urro. O pesadelo de Marquinhos recomeçava. Travesseiro na cabeça não adiantava, já havia tentado na noite anterior. Levantou-se e deu umas voltas pelo quarto enquanto pensava numa solução. De repente arregalou os olhos, Aquele novo gemido era diferente. Não era o já tão habitual gemido de Sofia. Oh, não! Era Juliana!!!
Ma não conseguiu dormir a noite inteira. Quando um casal acabava o outro recomeçava. E vice-versa. Em alguns momentos os sons, gemidos e ruídos vinham ao mesmo tempo dos dois quartos.
Manhã do dia seguinte: os cinco sentados à mesa do café. Marquinhos com profundas olheiras. Os dois casais como se nada tivesse acontecido. Marcelo era da casa, totalmente à vontade com sua sunga verde limão.
Enquanto Marquinhos foi ao banheiro a fim de escovar os dentes, o telefone tocou. Era a tia Florinda, irmã mais velha da mãe das meninas.
Quando voltou à sala com hálito de creme dental as duas irmãs estavam preocupadas e discutiam:
- Mas não dá Ju, a tia Florinda ronca demais, parece um trem! No quarto onde ela dorme só se ouve o ronco dela. É um barulho ensurdecedor. Ninguém merece.
Marquinhos interrompeu a discussão. Com profunda alegria e alívio deu a decisão:
- Tia Florinda vem, e dorme no meu quarto.
- Mas...
O rapaz interrompeu enérgico:
- E não se fala mais nisso.
Naquela noite Marquinhos dormiu como um anjo, embalado pelo trem de tia Florinda.
- Tags
- nando bolognesi