A árvore de irmandade
Na primeira vez que foi montada, a árvore foi ornamentada com muitas bolas coloridas e um único papai-noel. Presente que a irmã mais velha, Ana Maria, ganhara da Tia Tereza, a mesma árvore foi enfeitada, no ano seguinte, com duas bolas a menos e dois papais-noéis a mais, uma vez que eu já tinha uns quarenta dias de vida.
Assim, ano após ano, nosso pai veio praticando essa singular aritmética natalina - menos duas bolas e mais dois papais-noéis, até que terceiro irmão, o Rui, veio alterar a operação; três passou a ser o número de bolas subtraídas e também o de papais-nóeis adicionados. A nova mudança só aconteceu quando nasceu a irmã caçula, a Isa; o cálculo anual passou então a ser realizado com a retirada de quatro bolas e a conseqüente ocupação dos espaços abertos com quatro novos papais-noéis. A matemática envolvida é muito simples: a cada Natal, cada irmão ganha um novo papai-noel, iniciando por um que correspondeu ao ano de nascimento. Como todos os irmãos nasceram antes do Natal, cada um tem, hoje, um número de papais-noéis que corresponde a um a mais que a sua própria idade.
Bem mais tarde, no surgimento dos netos, a árvore precisou ser substituída, pois a matemática do pai-avô acabou chegando, nos dias atuais, à troca de 15 peças por ano. Acredito que, para os próximos natais, não mais teremos mudanças. Pensando bem... não tenho muita certeza. Hoje, agora sem nenhuma bola na árvore, existe aquele desbotado primeiro ornamento, representando um velhinho barbado que contrasta com dezenas de outros, reluzentes e mais novos. Conferi recentemente a obra do pai-avô-arquiteto: são quatrocentos e quinze papais-noéis distribuídos entre os quatro filhos e os 11 netos.
Muitas famílias devem ter outras histórias das festas natalinas, das árvores, dos presépios e do ancião que entra pelas chaminés. Nos natais, a inconfundível figura é presença marcante nos jornais, nas televisões, nas inúmeras campanhas publicitárias - que infelizmente enfatizam o consumo - e na imaginação das pequenas crianças. Quando crescemos, vamos gradativamente perdendo a ingenuidade e, com ela, também muita coisa bonita. Ainda hoje, me lembro de que, num ano da infância, conversei com um velho barbado, na casa de uma das tias, onde atualmente é o estacionamento de um banco. Quando chegou a minha vez, após ele ter presenteado alguns dos primos, aconselhou-me a obedecer aos pais e me deu um pequeno radio de pilhas, marca Hitachi, que ainda hoje mantenho guardado. Agora, a alegria maior é mesmo dos netos: ganham presentes dos mais variados, dos pais, dos tios e dos avós. Nós, os irmãos, já perdemos a crença no velho barbado e os presentes já são tantos como quando éramos criança. De tudo, é a árvore que continua sendo o nosso grande presente. É o primeiro ano de nossas vidas que teremos que assumir sozinhos a montagem do engenho natalino. O Natal, na casa de nossa mãe, não pode dispensar a operação anual de subtrai e soma numa árvore que tem uns dois metros de altura. Uma coisa simples, criativa e que passou, de certa forma, a simbolizar nossa irmandade em épocas natalinas. É uma das grandes e boas lembranças que guardamos do nosso pai.