A beleza de Adélia
Já há algum tempo venho pensando em escrever sobre a beleza. Desejo brotado pelas coisas bonitas que os meus olhos andam vendo por aqui.
Devo explicar: tenho ficado pouco tempo em minha cidade natal. A vida profissional tem me levado para outros lugares, alguns bem distantes, outros nem tanto. É incrível como a distância nos permite enxergar melhor. Os nossos olhos se acostumam facilmente com o mesmo campo de visão a ponto de não enxergar mais... Em gestão, dizemos que é o ponto cego: de tanto olhar não enxergamos mais. Mas isso acontece também na vida pessoal, na relação amorosa, afetiva e familiar. Nos momentos de crise, nada melhor do que se afastar e procurar outros pontos de vistas. Nem sempre conseguimos fazer isso sozinho. Prá isso existem os psicólogos: eles emprestam lentes e nos ajudam a enxergar diferente.
Assim, tenho andado pelas ruas da cidade com os olhos da novidade. Olhos da novidade são aqueles que enxergam pela primeira vez.
Esse sentimento, somado às coisas reais que a atual administração vem fazendo por aqui, despertou o prazer pela cidade em que nasci. E trouxe-me as palavras de Adélia Prado: "a beleza enche os olhos d'água".
As praças bem cuidadas, as avenidas remodeladas, os jardins floridos e todo cuidado com as cores que encobrem o passado têm me provado que é possível alegrar o coração de quem já não mais acredita nas ações dos políticos deste Brasil. Não que isso baste. É preciso, sim, muita atenção com o que não aparece aos olhos, como educação, saúde, comida e dignidade. Mas um não exclui o outro: primeiro, porque "a mais alta forma de verdade é a beleza" (Rubem Alves). E segundo, porque o respeito ao patrimônio público revela um valor raro no perfil político, traduzido na máxima: "só se faz ao outro aquilo que faríamos a nós mesmos".
Quem não quer morar num lugar bonito e confortável? Aliás, essa é a metáfora que mais me agrada quando penso em cidade: ela é a casa da gente! E de casa bem sabemos: é o cantinho que nos acolhe. É no interior das nossas casas que gozamos da liberdade, do descanso, da tranqüilidade e da delícia do afeto. Rubem Alves tem um livro dedicado especialmente a essa idéia. Para ele, a cidade é um imenso jardim; e o prefeito, seu jardineiro. Jardineiro bom é aquele que reconhece que cada espécie de planta necessita de um cuidado diferente: é a atenção individualizada que permite a beleza do todo.
Voltando à beleza de Adélia Prado, meus olhos têm realmente gostado do cuidado com as coisas vistas por aqui. E se meus olhos têm enchido d'água é porque reconhecem a importância desse cuidado: são gestos, por mais simples que possam parecer, que revelam a competência técnica e a boa vontade dos que estão no poder.
Nesse sentido, o nosso jardineiro sabe o que faz. É bem provável que tenha aprendido com o querido poeta Mario Quintana: "O segredo é não correr atrás das borboletas... É cuidar do jardim para que elas venham até você".