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Publicado: Segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A cidade dos apelidos

Aquele pequeno povoado do interior tinha a fama de ser a “Cidade dos Apelidos”. Ali ninguém se conhecia pelo nome de registro, mas sim por alguma alcunha dada pelos munícipes. O apelido poderia advir da profissão, da aparência física, de algum cacoete ou mesmo da infância familiar.

Apelido: quem não tem um? Mesmo as autoridades civis e religiosas, obstante todo o respeito que merecem devido à posição de destaque que ocupam, devem recordar-se de ao menos um apelido nas brincadeiras de rua, nos intervalos da escola, nos encontros familiares.

Na tal cidadezinha o apelido era regra, não exceção. Havia o Zé Coveiro, a Ana Banana, o Josué do Caneco. Também residiam ali o João Tomate, o Pinga-Fogo e a Patrícia do Boné. Sem falar no Esconde-Esconde, no Altair do Prego e no Zequinha Botija. O prefeito era o Seu Bolacha. O pároco era o Padre Santo.

Conheci um cidadão daquela pequena cidade interiorana. Contou-me a especialidade local e me desafiou: “Se você passar uma semana ali, ganhará um apelido também”. Duvidei. “É dito e feito: basta uma semaninha e está apelidado”. Resolvi aceitar o desafio: passar sete dias no lugar e provar o contrário.

Arrumei as malas e parti, determinado. Lá chegando, instalei-me no hotel da região central. Paguei o quarto adiantado, para a semana toda. “Não quero ser incomodado de jeito nenhum”, disse. “Não atendo visitas, não estou para ninguém”. O atendente entendeu o recado, prometendo cumpri-lo à risca.

Graças à internet e ao computador portátil, consegui trabalhar entre quatro paredes. Pedia as refeições todas no quarto. Para variar da comida do hotel, usei vários serviços de entrega para encomendar lanches, pizzas e refeições. A televisão distraiu-me e pude pedir filmes em DVD para serem entregues no meu quarto.

Permaneci trancafiado a semana toda, até mesmo com as cortinas tapando as janelas que davam para a rua. Apenas para ter noção do tempo e do clima locais, algumas vezes ao dia eu abria uma frestinha da cortina para observar o exterior. No sétimo dia ali, libertei-me. Arrumei as malas e voltei.

Reencontrando meu amigo, contei-lhe a façanha. Cantei ali minha vitória, solicitando o pagamento da aposta. “Pois aposto que você foi apelidado”, ele retrucou. “Impossível! Mal saí do quarto!”, respondi. “Pois então vamos ver...”, disse pegando o telefone.

Disposto a me provar o contrário, discou para o hotel. Colocou-me na mão a extensão do telefone, quando então ouvi o seguinte diálogo:

- Alô? É do Hotel Central?
- Isso mesmo, em que posso ajudar?
- Aqui é o Júlio Cachecol, tudo bem?
- Ô, Julinho! Como está? Tudo em ordem sim!
- Então, rapaz... Estou ligando para saber o seguinte... Semana passada um conhecido meu passou por aí e eu queria saber se ele ainda está na cidade... Ele se hospedou no quarto 308...
- Quem? O Cuco? Foi embora ontem!

Desliguei o telefone e paguei a aposta, devidamente apelidado.

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