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Publicado: Quinta-feira, 15 de abril de 2010

A complexa simplicidade do Ser

Outro dia estava no teatro assistindo a uma gostosa peça. Me percebi invejoso dos atores, aparentemente tão livres no palco. Pra lá e pra cá, falando alto como eu há tempos não falo, dando passos largos exagerados, como eu há tempos não dou, usando roupas confortáveis e extravagantes, como eu há tempos não uso, e, principalmente, usando máscaras. Bom,...máscaras, creio que as tenho usado. Aliás, creio que todos nós as usamos. Um dos meus maiores fascínios sobre o teatro é a possibilidade de travestir-se de um personagem que não somos nós, pois assim, escondidos atrás daquela figura, podemos nos libertar completamente e ser, efetivamente, aquilo que realmente somos no nosso mais íntimo ser. Simples. O que fascina no palco não é, como às vezes pensamos, a possibilidade de sermos outro, mas sim, a possibilidade de sermos nós mesmos. De sermos uma faceta de nós mesmos que temos escondido e aprisionado, para que possamos viver em sociedade sendo alguém mais coerente. Alguém que pode ser entendido, razoavelmente taxado e classificado. Não seria bem aceito alguém que um dia é vilão no outro herói. Um dia é ditador, no outro é amor. Um dia alegria no outro dor. Bom..., mais uma vez, isso eu acho que todos nós somos: Um dia alegria, no outro dor. Somos assim porque, graças a Deus, isto está acima do nosso controle. Graças a Deus porque já não nos basta controlar tanta coisa que controlamos, que se nada sobrasse acima dele, do controle, seria por fim, a morte definitiva da espontaneidade, e assim, quem sabe, a morte da humanidade. Pelo menos em seu aspecto humano. Por isso tanto nos dá saudades a infância, onde nos era permitida a fantasia, sem ter de ser tão claramente separada do que escolhemos chamar de realidade. Mas do ator também se cobra realidade no palco, pois ele, no palco também tem de se submeter às críticas, e seguir o diretor, numa negociação entre o que é ele e o que é o personagem. E o personagem, assim, ganha vida própria, pois não é o ator, nem o diretor, nem o escritor. É outro com um pouco de cada um. E a liberdade total que estava no palco acabou de desaparecer, pois percebi que ela existe apenas na minha fantasia. Na minha vontade de ser o ator que eu imaginei livre para ser o que quiser. E quem me impede de ser assim na vida? Eu mesmo. Eu sei. Pois é também o que os outros dizem que nos modela. E ninguém é sozinho, nem em si mesmo. Pois nós somos essa essência complexa e ambivalente. Queremos o mesmo que não queremos, e amamos o que odiamos. O equilíbrio do ser, ao meu ver, não é resolver estes conflitos. É aprender a aceitá-los com graça. Escolher no momento, e, naquele momento, aproveitar mais a escolha do que o que foi deixado de lado. O que ficou de lado, deixe que fique. Guarde o figurino, pois um dia pode ganhar vida, já que a vida não é uma peça. É um teatro, e no seu palco, muitas peças serão encenadas.

Merda!

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