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Publicado: Quarta-feira, 14 de abril de 2010

A cor da vergonha

A cor da vergonha
'Qual a cor que a vergonha tem?'

Nos últimos meses fomos bombardeados por uma quantidade incomum de ‘acidentes’, como terremotos e chuvas intensas. O mundo está tremendo, o calor abundante faz com que mais água evapore e, consequentemente, chova mais. Do Haiti ao Rio de Janeiro, e mesmo cidades mais próximas, a natureza parece revoltar-se conosco e voltar-se contra nós.

Não venho fazer apelos ambientais, tampouco profecias apocalípticas, embora sejam essas as primeiras abordagens dos que citam tais temas.

Toda essa confusão climática me conduz à outras pautas. Como, por exemplo, o modo com que invertemos o ‘pensar global, agir local’ para ‘pensar local, desde que o local seja só eu, e agir global, desde que me enriqueça’.

É claro que vemos campanhas pró Haiti, doações de mantimentos e roupas pros que perderam o pouco que possuíam para as chuvas e ventos. E parabenizo esse tipo de atitude.

Acontece que (por quê?) precisamos esperar que tragédias aconteçam para que aflore em nós a solidariedade, a justiça, a humildade? Uma simples questão de valores (afinal, nasce-se com eles ou é possível adquiri-los durante a vida?).

É gostoso afirmar que determinado governante não providenciou melhorias antes das chuvas, mas remendos depois delas. E, como se não tivessemos nunca criticado essa ou outra omissão, agimos igual. Deixamos as coisas se agravarem primeiro. É igualmente omisso esperar que nos peçam comida para lembrar que há gente passando fome. É mesquinho, egoísta.

Apesar de já ter pensado nisso, semana passada tomei, como se diz, um tapa na cara ao ver-me agindo como se o mundo girasse em torno apenas de mim.

Atravessando a praça rumo à faculdade, em Salto, reclamei não muito discretamente a uma amiga sobre o frio que fazia naquela noite. Sim, eu vestia uma blusa de moletom, mas o vento gelado não calou minha boca e eu reclamei (mania humana, essa, de reclamar 'de barriga cheia'). No mesmo instante em que a última sílaba era pronunciada, virei o rosto, despretensiosamente, e vi um homem. Um mendigo, encolhido em seus farrapos, deitado ali mesmo, sobre um pedaço de papelão, com frio.

E se vergonha tivesse uma cor, provavelmente estaria coberta dela até agora.

Então, fico me perguntando - e ainda não encontrei resposta - sobre o que aconteceu com a humanidade - comigo, com vocês - a respeito de valores como esse. Afinal, quando somos nós os necessitados, queremos ajuda. Queremos carinho, atenção, empréstimos, conselhos...

Mas, já dizia Machado de Assis: “suporta-se com muita paciência a dor no fígado alheio".

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