A ditadura do aroma
Enquanto seus superiores, trancados na sala de reunião do gabinete de governo, revezavam-se nas fantasiosas hipóteses sobre aquela crise, em campo e exausto, ele entrou na primeira tenda que encontrou; deu de cara com o índio sentado num toco. O homem sequer levantou o semblante para reprovar sua autoritária intromissão e continuou amassando suas ervas no pilão. "Perdão", disse segundos depois da degustação insossa. Desconcertado, arriou falar com o silêncio: "Esse cheiro forte tirou meu sono, levou meus filhos embora... Furtou-me o vinho aos sábados e os domingos na fazenda. Não tem mais aonde procurar". O índio foi até o fogão à lenha, pegou a água que borbulhava e a deitou sobre o sumo verde na cuia. Logo as narinas do desventurado dilataram e o aroma da infusão lhe entorpeceu, levando-o a sono de fase profunda. Dias depois, ao acordar, a comida era feita à gás, existiam sacolinhas de plástico para as compras, os ovos eram em pó e as bombas tinham trocado a pólvora por vírus letais.