A Dom Luciano Mendes de Almeida
O seu falecimento causou um grande pesar a todos que o conheceram. Deixou, ao mesmo tempo, a certeza de termos convivido com um extraordinário ser humano, modelar na vida de santidade. Sua competência intelectual não o envaideceu, pelo contrário, associou-se à virtude de ser simples e terno em todo o seu agir.
Certo dia, cheguei a Portugal. Fui a propósito de pesquisa, para compor minha tese de História da Igreja, quando estudava em Roma. Na cidade de Peniche, um grupo de pessoas perguntou-me por Dom Luciano, admiradíssimos por sua ciência teológica em uma Semana Eucarística. O pároco me contava o fato que mais o marcou. Chegara Dom Luciano de viagem internacional. Quando o Padre percebeu que trazia nas mãos apenas um embrulho de papel pardo, perguntou-lhe pela sua mala. “Não a tenho”, reponde Dom Luciano; “só lhe peço que me mande lavar algumas peças de roupa”. Passou o pacote para a empregada. Eram roupas tão simples, além de poucas, que a própria empregada se admirou. Ao final da semana, em sinal de gratidão, o pároco ofereceu-lhe uma valise de couro. Dom Luciano recebeu a mala, abraçou-a, beijou-a e agradeceu comovido. Porém, ao se despedir para ir ao aeroporto, novamente se apresentava com o mesmo pacote de papel pardo. Sorrindo, explicou ao Padre: “não me leve a mal; dei a mala para sua cozinheira”.
Este homem viveu assim. Pobre, desapegado de todo e qualquer bem material. Tinha como única riqueza o amor a Cristo e à Igreja.
Em 1990, sofreu terrível acidente na estrada entre Belo Horizonte e Mariana. Quase morreu. Teve inúmeras fraturas, inclusive no crânio, rompimento de aorta, e outras complicações. Todos rezávamos apreensivos. Fomos atendidos. Um ano depois, voltou, em cadeira-de-rodas, a Roma. Certo dia, eu mesmo, aluno do Colégio Pio Brasileiro, me ofereci para conduzi-lo do refeitório ao quarto e contei-lhe sobre minha tese que versava sobre Dom Viçoso, 7º Bispo de Mariana. Surpreendeu-me Dom Luciano com um sentido choro, cujas lágrimas banhavam minhas mãos que ele tomara entre as suas. Revelou-me que havia sido miraculado por intercessão daquele seu predecessor, a quem ele e outros marianenses pediram a intervenção junto do Pai para que o curasse. Dom Luciano teve a bondade encantadora de escrever-me esta revelação, com a caligrafia da mão esquerda, pois a direita estava ainda imobilizada.
Na ocasião do acidente, o Papa João Paulo II lhe passou telegrama de conforto e bênçãos. Dom Luciano respondeu-o com delicadeza de verdadeiro amor entre santos. Escreveu apenas três palavras, em latim, ego diligo te! Era a expressão mais profunda de amor fraternal a alguém que trazia no peito coração a bater na mesma freqüência mística.
Encantava em Dom Luciano sua extraordinária capacidade de realizar tudo com plenitude. Era capaz de dar atenção, tempo e paciência à conversa com um mendigo, mesmo que este estivesse embriagado, era capaz de presidir a CNBB e de estar como mestre diante de seletos públicos de intelectuais, pelo mundo.
Dom Luciano era capaz dos gestos generosos, dignos de grande admiração. Muitos o viram pelas praças e ruas, noite avançada, depois de um dia exaustivo, com um saco de cobertores à mão, cobrindo os mendigos com cuidado extremo para não acordá-los. Outros são testemunhas de que para entrar em casa, ao chegar muito tarde de compromissos pastorais, tinha que saltar sobre os pobres que dormiam à sua porta. Entrava e não se dava o direito de dormir sem antes os acolher condignamente. Há testemunhas de que dava seu leito para o mendigo e ele mesmo se estendia ao chão.
Tinha sempre uma explicação, à luz do evangelho, para cada situação. Orava com fervor, demonstrava imenso amor à Eucaristia, à Liturgia das Horas e à Mãe de Jesus a quem honrava com a prece do rosário. Seus familiares revelaram suas últimas palavras: “Deus é bom!”.
Este homem foi um eloqüente discurso sobre a imensidão e a gratuidade do amor de Deus. Que exemplo!