A foto distorcida
O título “Álbum de Família”, parece, terá sido até denominação de novela em algum canal de televisão.
De todo modo, em quantas casas talvez ainda esteja ostentada com muito carinho uma daquelas fotografias clássicas, a do vovô sisudo, quase sempre de farto bigode, com a consorte sentada ao lado, criança no colo, o casal então rodeado dos outros seis ou sete filhos, quando mais não fossem.
De outra feita, álbuns imensos, no formato de trinta por vinte centímetros, quiçá maiores até, para acomodar os flagrantes mais variados e recordação de tempos felizes e muito menos complexos do que os da era atual.
Em tardes de horas à toa, com que prazer não se buscavam imagens de saudade imensa, a ponto de provocar renovadas emoções ante a lembrança dos que já se foram.
Estas considerações preliminares fazem a gente pensar até que ponto o avanço da tecnologia e sua poderosa influência não terão alterado os hábitos das pessoas, com a supressão de costumes outrora arraigados, válidos sim também pelo que de saudável ingenuidade pudessem conter.
Entra aí a fotografia, um exemplo apenas, o mais simplório deles.
Quase ninguém era dono de uma máquina fotográfica, aquelas antigas, bem rudimentares. No mesmo ímpeto como esses aparelhos foram sendo aperfeiçoados, sua aquisição começou a estar ao alcance dos interessados e por fim sendo obtidas sem dificuldades. Todos passaram a ter relógio de pulso e uma máquina, alguma, nas suas mais variadas marcas.
Surgiram daí os álbuns de tamanho pequeno e mais simples para o uso, porém multiplicados dentro dos armários ao infinito. Pacotes e mais pacotes, por isso mesmo pouco manuseados e com muito trabalho para localização de seu conteúdo.
No advento do celular então, o leve toque ficou ao alcance de qualquer pessoa, adulta ou criança. A fixação de imagens se ampliou ao infinito, com a consequência de até certo ponto se banalizarem. Eram tantas e, as mais recentes, a sobrepujar e determinar como esquecidas as demais. Com rápidos tiques as imagens se espalham e na mesma velocidade somem, porque coisa nova ocorre de minuto a minuto.
Chegou então o momento de explicar o título deste despretensioso comentário – a foto distorcida.
Um disfarçado recurso apenas de chamamento à atenção, eis que não entra em foco nenhum flagrante mal feito ou distorcido. A pretensa distorção se prende muito mais e quase que somente a frisar uma banalização de como se empurra a todos para mais uma correria desenfreada ao fútil e impensado, gozos instantâneos de uma visão ligeira, em que se juntam, num mesmo caldo, enfoques preciosamente colhidos com outros mal feitos.
A febre para aquisição de outra novidade, o cabo para obtenção de fotos de si próprios, em especial coletivamente, essa, pelo menos e ao que parece, já começou a ser esquecida. Todo mundo queria de novo ser o primeiro.
Hoje, pode ocorrer uma cena eventual e feliz do pássaro que descansou num ângulo especialmente favorecido, mas que não esperou pelo seu clique oportuno e você desistiu. Deveria calmamente quedar-se ali mais um tempo, eis que as aves não pousam ao acaso, percebem antes e muito bem escolhem um ponto adequado. E daí talvez, aguardados uns minutos, aquela cena poderia se repetir e ser colhida.
Bem como, noutra hipótese, para também exemplificar, ao deixar para trás o sublime por do sol só porque, momentaneamente, uma nuvem ligeira o tivesse empanado na sua ligeira passagem.
Em suma, sabe-se da escolha das fotos como apenas uma das mil consequências, de como se introduzem goela abaixo em todo mundo inovações meramente temporárias, cada qual mais apressado que outro a ser também ele ou ela um dos donos da novidade.
Entre outros males, não mais dá tempo de apreciar detidamente um belo flagrante ou entregar-se ao legítimo prazer do que seja sublime.
Sem perceber o ser humano centraliza atenções muito mais voltadas, constantemente, para o enganoso prazer de “ter” com o abandono a algo infinitamente mais valioso, que é o “ser”.
Ser pessoa, gente.