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Publicado: Quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A Industrialização da Cidade de Salto, SP

 

 

 

 Processo Urbano-industrial de Salto-SP

Anicleide Zequini - [email protected]

 

            A cidade de Salto constitui exemplo significativo do processo urbano-industrial ocorrido em localidades da Província/Estado de São Paulo, durante a Segunda metade do século XIX.

            Neste momento, a economia do país estava baseada na escravidão e na lavoura de exportação do açúcar e do café. Contexto em que se insere a região de Itu, tradicionalmente ligada a cultura da cana que, na década de 60, contou com a presença da cultura algodoeira.

             O interesse em  plantar algodão na região de Itu, partiu do incentivo dado por Carlos Ilidro da Silva e de sua fazenda-moldelo. Ilidro, durante a Guerra Civil Americana, intermediou os interesses de fábricas têxteis inglesas e fazendeiros de Itu.

            A importância desta cultura para a região, está no fato de que proporcionou  aprendizado técnico-comercial aplicado, posteriormente, por investidores de fábricas de tecidos. A presença de máquinas agrícolas, tocadas a vapor e hidráulica, colocava a região dentro do contexto do século XIX, consagrado a modernidade e esta, representada pela presença da máquina.

            Países industrializados como a Inglaterra e América do Norte (EUA) haviam incorporado o sistema de fábricas em sua estrutura política-econômica. Diferentemente da manufatura, onde o trabalhador é proprietário das ferramentas de trabalho (máquinas e acessórios) e do seu tempo, o sistema de fábricas caracteriza-se pela presença da máquina no processo produtivo. Concentrada em edifícios próprios, a máquina dá o tom a produção e ao tempo do trabalhador.

            Seu sucesso, estava relacionado  ao incentivo  dado as invenções mecânicas, ao aperfeiçoamento das máquinas a vapor, hidráulica, eletricas. Atualmente em andamento com o desenvolvimento da energia nuclear.

            A máquina, como símbolo do progresso, para o século XIX, transforma-se em espetáculo e dá o tom aos artigos de jornais, tanto ituanos como da Capital. Na Exposição Universal de 1889, em Paris, inventos mecânicos foram apresentados em funcionamento para  os espectadores.

            Constatamos, na região de Itu, o interesse em conhecer máquinas e seu funcionamento, bem como a propaganda que se fazia em torno de empreendimentos fabris existentes. Os Engenhos Centrais  de Porto Feliz e Rafard, eram abertos a visitação pública monitoradas pelo engenheiro Patereau, no primeiro exemplo, e Henry Raffard, no segundo.

            Os Engenhos não foram os únicos empreendimentos que suscitaram curiosidades da população quanto a modernidade. Fábricas de tecidos, instaladas em Itu (1869) e Salto, a partir de 1875, motivaram cronicas jornalísticas com extensas matérias sobre descrições de máquinas, funcionamento e da arte da transformação da matéria-prima em produto industrializado, do algodão bruto ao tecido.

            A instalação de empreendimentos têxteis em Salto deve-se a presença da queda d´água do rio Tietê. O salto que dá o nome a cidade. Localizada geograficamente sobre a chamada fall-line (linha de quedas) as águas do rio Tietê, eram conduzidas através de canais de derivação para turbinas hidraúlicas que, através de um sistema da transmissão, impulsionavam movimento as máquinas existentes no interior das fábricas.

            Entre os anos de 1875 e 1889, a localidade contou com a construção e efetivo funcionamento de  quatro empreendimentos fabris: três fábricas de tecidos e uma de papel, além de outros projetos que não se efetivaram. 

Projetos e Construções de Fábricas em Salto

 

Fábrica São Luiz             1869          tecidos         Projetada para Salto e construída em Itu

Barão de Piracicaba         1873          tecidos/        Projeto não concretizado. Construiu

                                                           óleos            canais para aluguel. Vendeu as

                                                                                benfeitorias p/ William Fox e depois

                                                                                para Papel de Salto.

José Galvão              1875-1891         tecidos         arrendada (1876-78) para Samuel &   

Galvão/Wlademir/Júpiter                                        Irmãos Cia Ltda. Adquirida pela Cia

                                                                                Cultura Paulista, em 1891

Pereira & Tavares               1878        arroz            não se tem notícias

Arthur D´Sterry                   1880        tecidos        não chegou a funcionar

 

F. F. Barros Júnior     1880-1890        tecidos         Adquirida pela Cia Cultura  Paulista, em 

                                                                     1891

William Fox e outros            1882      fiação/          não chegou a funcionar

                                                estamparia de chitas 

O Pereira Mendes                 1882      papel            não chegou a funcionar

Dr. José Tibiriçá         1885-1886      meias            transfere-se para Campinas

Monte Serrat               1887-1925      tecidos          destruída por incêndio, em 1925

                                                                    Octaviano  Pereira Mendes

Melchet & Cia            1889-atual      papel             Proprietários: Athur Aron/

                     Brasital/Votorantim-Arjo  

                     Wiggins/Arjo-Wiggins

Bardini & Filhos          1908-            cerveja           Henrique Bardini

Trevisol & Cia             1908-            tecidos           desativada. Fábrica Ítala, Fábrica Salto-

 

 

 

 

                Junto a cachoeira do rio Tietê foi instaladas três fábricas. Do lado direito, junto ao povoado as fábricas de tecidos de José Galvão de França Pacheco Júnior, em 1875 e Francisco Fernando de Barros Júnior, em 1880. Do lado esquerdo, a fábrica de Papel de Melchert & Cia, em 1889.

            A presença destes empreendimentos deu início a  disputa  pela apropriação das águas do rio, gerando a construção de inúmeras obras como barragens e canais de derivação, visíveis em períodos de estiagem. Mapas antigos demonstram esta disputa ao indicarem obras embargadas por determinações jurídicas, rochas e ilhas removidas, decorrentes de interesses pessoais e industriais dos referido proprietários. Recursos construtivos existentes no local, como o granito, foram incorporados às construções dessas fábricas e também nas obras de represamento do rio. Trabalhos em pedra, aprimorados  por trabalhadores especializados: os canteiros.

            O início do século XX é marcado por um novo momento para a localidade e região com a presença do Capital estrangeiro, representado pela empresa Societá Ìtalo-Americana, originária da fusão, em 1895, das fábricas José Galvão e Barros Júnior pela Buarque de Macedo & Cia

 

 

 

Formação da Brasital

 

 

Fábrica José Galvão

 

 

1895-1897                             Vendidas à Buarque de Macedo & Cia

 

Fábrica Barros Júnior

 

 

 

1898-           Vendidas pelo Banco da República à José Weisshon & Comp. Instalação da hidroelétrica Júpiter (fábrica José Galvão) e Fortuna (fábrica Barros Júnior)

 

1904-           Societá Ítalo-Americana.  Adquire a Papel de Salto, em 1908 e Henrico D´ella

                                                        Acqua, de São Roque

 

1919-     Brasital S/A                      Adquirida, posteriormente pela Santista S/A

                                                        Desativada

 

 

 

                A instalação desta empresa, de origem italiana, possibilitou a vinda de inúmeras famílias italianas para a localidade, favorecidas pela política de contratação. Desta forma, formou-se uma Colônia Italiana na cidade, que dificultava até mesmo o recenseamento devido ao idioma. Em 1920, documentos da Câmara Municipal revelam este fato, ao afirmarem que a grande maioria dos moradores de Salto falava o somente o italiano. Famílias italianas e Ítalo-brasileiras procedentes de várias localidades ingressaram na fábrica Ítalo-Americana, e várias gerações sucederam-se como trabalhadores naquela fábrica, mesmo a partir de 1919, com a constituição da Brasital S/A (Brasil-Itália).

            Projetos construtivos no rio tiveram continuidade. Em, 1903 a Ítalo-Americana inicia a instalação de duas hidroelétricas: Júpiter e Fortuna, denominações com que ficaram conhecidas, respectivamente, as fábricas José Galvão e Barros Júnior. Este processo foi concluído pela Brasital S/A, com a construção, em, da Usina de Porto Góes, posteriormente, vendida a Cia Ituana de Força e Luz, Light na Power e, atualmente da Bandeirante de Energia                                                  

 

            Terrenos urbanos da localidade também foram sendo incorporados ao patrimônimo da fábrica. A abertura da rua do Porto, iniciada à partir da instalação da fábrica Barros Júnior, em 1880, tinha por objetivo o transito de produtos até a estação da estrada de ferro ituana. Para tanto, foram desapropriados, por utilidade pública, terrenos pertencente a fábrica José Galvão. Em, 1913, através de um acordo feito com a Câmara Municipal de Salto, esta rua transforma-se numa via interna da fábrica , em troca da construção de uma ponte metálica (ponte pensil), beirando o Tietê.

            E os operários? Quem eram eles? Alguns documentos, como notícias de jornais, documentos cartorários e fotografias nos aproximam de uma descrição e de sua composição. Na Segunda metade do século XIX e início do XX, nota-se que eram majoritariamente constituídos de mulheres e crianças à partir de 8 anos. Fato que não constitui exemplo isolado do que acontecia em outras fábricas existentes no Brasil, e presentes no processo produtivo na Revolução Industrial Inglesa.

 

 

 

 

            O pagamento pelo trabalho vinha após meses de aprendizado. Meninos, trabalhavam em tarefas como o serviço de carretéis; os homens, para cardas, fiame e tecelagem; meninas na fiação; mulheres na tecelagem e para cortar e dobrar papel. Basicamente a maquinaria e tecnologia, empregadas nos empreendimentos fabris de Salto, provinham da Inglaterra e América do Norte (EUA), de onde vinham os técnicos que instalavam e ensinavam o trabalho. Pose se afirmar que a presença deste contingente de pessoal especializado vindo do exterior, foi fundamental para a viabilização da produção, não só na cidade de Salto, mas de todo o território paulista. Constituíram-se num saber itinerante, que levava os conhecimentos técnicos de produção e organização do trabalho, baseado na presença da máquina,  de fábrica em fábrica.

            A preocupação em alojar estes operários está presente nos documentos pesquisados. José Galvão, por exemplo, possuía quartos que oferecia aos técnicos, mediante contrato, para o período em que permanecia no Brasil. Já José Weisshon, construiu, no início do século XX, Vila Operária. Modelo que foi também seguida pela Ítalo-Americana e Brasital S/A .

 

 

 

Vilas Operárias Construídas em Salto

 

 

1912                                         Casas da Barra – 30 casas, construídas pela Ítalo-Americana

 

1920-1925                                     Vila Operária Brasital – 244 casas (construída pela Brasital)

 

1920-1924                                     Chalés para mestres e contra-mestres – 13 casas

Substituindo as casas operárias construídas por José Weisshon & Cia, aproximadamente, em 1900. (Construída pela Brasital)

 

1924-1927                                     Porto Góes – 20 casas, para atender os operários da Fábrica de Papel

(Construída pela Brasital)

 

1945-1946                  Vila da Barra do Tietê – 8 casas (Construída pela Brasital)

 

 

 

 

                Denominadas casas higiênicas, as vilas operárias tinham por objetivo reservar mão de obra especializada. Em Salto, a mais importante delas foi a Vila Operária Brasital, composta de quatro quadras e internamente  possuíam um quintal comunitário, denominado de Quintalão, onde os moradores assavam pão, lavavam roupas, realizavam festas e as crianças ficavam na ausência dos pais.

            A Brasital, diferentemente de outros empreendimentos fabris, não precisou construir a cidade-operária em seu entorno. Ela já estava constituída, restando a empresa aprimorar a estrutura do espaço urbano.

                      

                                                                                

 

 

 

                      

                                                                                

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