A Infalibilidade do Papa a partir do Vaticano I
A questão da infalibilidade do Papa foi uma das mais discutidas durante o Vaticano I. O assunto já vinha causando polêmica antes mesmo da convocação do Concílio, como acontece na maioria das vezes em que se discute um dogma. De acordo com o Catecismo da Igreja Católica: "Os dogmas são luzes no caminho da nossa fé, que o iluminam e tornam seguro" (no 89).
Além disso, de acordo com o Catecismo da Igreja Católica, o Magistério da Igreja empenha plenamente a autoridade que recebeu de Cristo quando define dogmas, isto é, quando, utilizando uma forma que obriga o povo cristão a uma adesão irrevogável da fé, propõe verdades contidas na Revelação divina ou verdades que com estas têm uma conexão necessária.
A Teologia católica afirma que o Papa, em comunhão com o Sagrado Magistério, é infalível quando delibera e define solenemente algo em matéria de fé ou moral "ex cathedra" (a partir da cadeira de São Pedro). Ou seja, nesses casos o Papa está sempre correto porque está sempre assistido sobrenaturalmente pelo Espírito Santo, que o preserva de todo e qualquer erro.
O uso da infalibilidade está restrito às questões e verdades relativas à fé e aos costumes quando divinamente revelados ou que estejam em íntima conexão com a Revelação divina. Uma vez proclamadas e definidas solenemente, estas matérias de fé e de moral tornam-se dogmas, verdades imutáveis e infalíveis que todos os católicos devem aceitar.
As discussões sobre a infalibilidade faziam parte da pauta dos clérigos europeus naquele período e ganhavam até mesmo as páginas dos jornais. O anúncio do Concílio, porém, encontrou na opinião pública uma difundida inquietação e irritação, intensificadas ainda mais quando um artigo da Civilità Cattolica, de fevereiro de 1869, deixou entender que do Concílio se esperava sobretudo a definição da doutrina da infalibilidade papal.
As opiniões eram diversas. Havia quem apoiasse a infalibilidade papal, quem a negasse e quem adotasse uma postura moderada, aceitando-a para alguns casos e para outros não. Havia, pois, no mundo católico, a orientação da maioria pela oportunidade de uma definição. Mas alguns a consideravam inútil e até mesmo prejudicial à Igreja".
Parece que essa polêmica não estava originalmente entre os assuntos escolhidos para debate durante o Vaticano I. Porém, tamanha era a comoção que causava que ela acabou entrando nas assembléias conciliares. De fato parecia mesmo impossível a discussão de tantos assuntos deixando a questão da infalibilidade, tão em voga, fora dos debates.
Os "infabilistas" eram cerca de 450, assim divididos: italianos, espanhóis, muitos franceses, e os bispos da América Latina. Substancial inferioridade dos italianos, que pareciam desorientados, à exceção de alguns poucos. Os "anti-infabilistas" eram 150: todos os bispos alemães, húngaros e austríacos; vários bispos franceses; alguns americanos e os patriarcas orientais. Havia também um "terceiro partido", mas com pouca influência: entre esses colocam-se os vigários apostólicos, cerca de setenta, que, porém, eram considerados "massa de manobra" e terminaram, em sua maioria, entre os infabilistas.
O Papa Pio IX, que a princípio pareceu hesitar em trazer o assunto para debate no Concílio, decidiu tomar tal providência em 27 de abril levando em conta a proposta sugerida por 480 padres conciliares. Em outras palavras, Pio IX viu sim, com muita satisfação, o movimento favorável à definição e o apoiou com todas as suas forças, especialmente nos últimos dias do Concílio, mas não se pode dizer que o movimento tenha nascido por influência dele e seria ainda menos exato afirmar que ele tenha imposto esse novo dogma por vontade própria a uma Igreja indecisa e contrária. As tensões em torno do assunto foram incessantes pelos três meses seguintes, até a definição do tema com a publicação da Pastor aeternus.
(Continua)