A intrusão do VAR
Antes de se entrar no âmago das considerações, tenha-se presente, apesar da obviedade do tema, de que a sigla VAR, ainda em uso incipiente, faz derivar dela a expressão “assistência de vídeo do juiz” e no idioma inglês, “vídeo assistent referee”.
Ficou para trás a primazia do futebol clássico e não atropelado (diga-se então, para um único exemplo, dos anos cinquenta e sessenta, sobre o maestro da bola, o palmeirense Jair da Rosa Pinto), de quando se jogava sem fúria nem agressões. Ferem-se hoje nos estádios lutas aguerridas, a ponto de ás vezes lembrar mais o circo romano dos gladiadores.
Esse fato, de que a força superou a habilidade e graça dos toques na bola, a pouco e pouco, transferiu a primazia no alcance de resultados, aos bem nutridos de nascença e, quase sempre, jogadores espadaúdos. Os estrangeiros, os do primeiro mundo.
Curiosamente, o elemento feminino, por isso mesmo, já nasceu num plano notório de, em primeiro lugar, ostentar de pronto melhor forma física, como se fossem elas cobertura para adornar bolo de aniversário e assim dar encanto ao esporte-rei.
Justamente pelo aspecto do vigor físico, as meninas de outras plagas então, mais ainda saíram na frente.
Mesmo assim, a alma brasileira, agora, no futebol-força, faz o que pode.
A performance das cinco Copas do Mundo nas cores verde e amarela, salvo muita sorte, não se repetirá, em vista dos insucessos dos últimos tempos. Mas o futebol é futebol e vale acima de tudo pelo que pode oferecer de inesperado, de uma hora para outra.
O futebol entrou na ordem do dia, no mês de junho último, tanto pela ocorrência da Copa América e, talvez, por causa do ímpeto superior, na Copa Mundial do crescente e amadurecido futebol feminino.
Vão dizer que é sonho (rss.), mas daqui a pouco surge um torneio misto, de um sexo versus outro. Nunca se duvide do que sejam capazes as encantadoras praticantes do futebol, reserva por ora do dito sexo forte. Nesse dia hipotético e aqui aventado em tom gracioso, até por afeição e homenagem a elas, gol feminino valeria por dois.
Feitas tantas conjeturas e postos então sobre a mesa o foco e o alvo da crônica – o desditoso VAR – volte-se ao futebol como um todo, para se comentar aqui, o recurso encontrado para diluir o sabor característico dessa modalidade – o do repente e o do imprevisível – para desdizer da beleza de lances excepcionais e até já com bola nas redes, porque, ou terá havido mão na bola, ou excesso de violência na disputa da esfera, ou impedimento e sabe-se lá o que mais.
É quando entra em ação o intrometimento do VAR, que permitiria deslindar na câmara lenta gestos e posições milimetricamente imperceptíveis no auge de uma jogada.
Poderia existir interferência no gáudio e na explosão da torcida quando se configura o lance da feitura de um gol?
Levantada a dúvida, o estrondo nos estádios é sucedido de um silêncio profundo. Nerssas horas, voe a zumbir o mosquito na sua frente e você não o vê nem escuta.
Não há graça nenhuma nisso tudo.
Atente-se que, decidida a anulação, não se escuta propriamente uma ovação da torcida favorecida, - apenas um respiro de alívio – como que se fora um automático reconhecimento de quão sem graça é esse recurso ora legitimado.
Sejam postas no mérito das figurações e ficção, que ao invés de se aplicar o recurso do VAR, houvesse consulta às torcidas, a uma de cada vez, num clássico nacional, para se definir, hipoteticamente, se este ou aquele gol fora válido. Jamais se chegaria a um acordo.
Impreterivelmente, os fãs da equipe que faturou o gol dariam o lance como perfeito e acabado. Em seguida, se dada a voz aos torcedores contrários, infalivelmente pediriam a anulação da jogada, mesmo à custa de desfaçatez, porque esse esporte tem o condão de alucinar o povo.
Afora isso, futebol deixa de ser jogo.