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Publicado: Sexta-feira, 4 de novembro de 2005

A lógica da vida

"Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua vida?" (Mateus 16, 26)

"O segredo da existência humana não está somente em viver, mas também saber como se vive ." (Dostoiewski)

O "direito de viver" está inscrito na lei natural, como está inscrito no coração e na consciência do homem; está inscrito no próprio Evangelho de Jesus Cristo; suas palavras "Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância." (Jo 10, 10), resumem toda a grandeza e o valor da vida humana.

Ninguém nega o valor da vida. Vive-se por ela, morre-se por ela, mata-se por ela. Mesmo assim, ela não é respeitada como deveria; ao contrário, está cada dia mais maltratada, ofendida, prejudicada, usada e banalizada. Tempos modernos em que se vive fundado em objetivos cada dia mais egoístas, materializados e interesseiros; um mundo cada vez mais secularizado, como se fosse o homem "dono do nariz" e pudesse ignorar a estreita ligação com o Criador.

Não é novidade, mesmo para aqueles pouco "chegados" na doutrina cristã, que aquele que caminha conosco é o Deus da Vida. Igualmente nunca podemos misturar "coisas" e vida, nem esquecer que esta não tem preço, mas tem dignidade. Fomos criados para "dominar" o mundo, colocando-o a serviço do nosso bem-estar; em momento algum, no entanto, fomos "autorizados" a "dominar" nosso semelhante, dispondo de sua vida para que um ou alguns sejam beneficiados ou satisfeitos em suas pretensões.

Se, mesmo no direito humano, todos são iguais perante a lei, não seria diferente nos planos de Deus. Criados à imagem e semelhança de Deus, herdamos a sua própria dignidade. A vida, sobretudo a humana, pertence unicamente a Deus, por isso, "quem atenta contra a vida do homem - ou fere a sua dignidade - de algum modo atenta contra o próprio Deus".

A palavra-chave é dignidade; é ela que está em jogo quando alguém, nosso semelhante, é usado, abusado, diminuído, comprado, seduzido, enganado, desprezado, ignorado, excluído, abandonado...

A dignidade está na essência da vida humana; é um valor intrínsico à vida, identifica o ser humano. Esquecida a dignidade, deteriora-se a vida, decorrendo daí uma infinidade de situações que podemos presenciar em nosso meio. O triste é que muitas vezes a pessoa nem tem noção do seu valor, da sua dignidade e ela própria acaba permitindo abusos de toda ordem: desânimo, submissão, aceitação, degradação moral... o "fundo do poço". Um poço fundo e quase sempre sem corda ou mãos amigas...

Tudo isso para avivar em nossa memória o grande valor da Vida, muito aquém do que Deus sonhou e incansavelmente continua ajudando a realizar: Vida digna e feliz para todos os seus amados filhos...

João Pulo II, na Encíclica Evangelium vitae, assim se refere ao valor incomparável da pessoa humana: "O homem é chamado a uma plenitude de vida que se estende muito para além das dimensões da sua existência terrena, porque consiste na participação da própria vida de Deus."

Jesus veio para "renovar" a vida do homem. Por isso, qualquer ameaça a sua dignidade não pode deixar de repercutir no próprio coração da Igreja. Esta sempre será contra qualquer manipulação da vida, sua relativização ou sua banalização. Igualmente, é imoral dispor de uma vida unicamente para o próprio prazer deixando de lado quaisquer compromissos.Ainda em Evangelium vitae lemos: "Como não pensar na violência causada à vida de milhões de seres humanos, especialmente crianças, constrangidos à miséria, à subnutrição e à fome, por causa da iníqua distribuição das riquezas entre os povos e entre as classes sociais? Ou na violência inerente às guerras, e ainda antes delas, ao escandaloso comércio de armas, que favorece o torvelinho de tantos conflitos armados que ensanguentam o mundo? Ou então na sementeira de morte que se provoca com a imprudente alteração dos equilíbrios ecológicos, com a criminosa difusão da droga, ou com a promoção do uso da sexualidade segundo modelos que, além de serem moralmente inaceitáveis, acarretam ainda graves riscos para a vida? É impossível registar de modo completo a vasta gama das ameaças à vida humana, tantas são as formas, abertas ou camufladas, de que se revestem no nosso tempo!"

Após matar seu irmão, Caim é interrogado por Deus: "Que fizeste?..."(Gn 4, 10). Essa mesma pergunta é dirigida também a nós, homens contemporâneos, "para que tomemos consciência da amplitude e gravidade dos atentados à vida que continuam a registar-se na história da humanidade". Na raiz de qualquer violência contra o próximo está a lógica do maligno; ao seguirmos esta lógica, que se opõe frontalmente à lógica da vida, acabaremos inevitavelmente numa "luta mortal do homem contra o homem".

Caim, que não pensou no irmão, que se recusou a assumir a responsabilidade que cada homem tem pelo outro, acaba simbolizando as tendências atuais de nossa sociedade, ou seja, "a falta de solidariedade, especialmente, com os membros mais frágeis - como são os idosos, os doentes, os imigrantes, as crianças - , e a indiferença que tantas vezes se regista nas relações entre os povos, mesmo quando estão em jogo valores fundamentais como a sobrevivência, a liberdade e a paz."

Finalmente, lembramos aqui o ardente apelo pela valorização da vida humana que, em nome de Deus, João Paulo II dirige a cada um, para que: "respeite, defenda, ame e sirva a vida, cada vida humana !", na certeza de que, somente por esta estrada, encontraremos justiça, progresso, verdadeira liberdade, paz e felicidade!

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