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Publicado: Quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A ordem para a demolição

Como já ficou demonstrado aqui, semana passada, se Pedro até sonhara com serviços de outra natureza, agora só lhe restavam mesmo os afazeres próprios ou assemelhados ao de pedreiro.

Dias depois as turmas foram divididas: uns começariam a derrubar a parte fronteiriça ao Largo do Patrocínio. O segundo pelotão, o de Pedro, atacaria o extremo contrário, que tinha por sinal o módulo da igreja em primeiro plano. Caberia a ele e aos colegas, para falar bem claramente, demolir a igreja. De espaços suficientes, bela, acolhedora. Chamada de capela por alguns, que o faziam impropriamente, por se tratar na verdade de um templo completo.

A dor de consciência, as queixas do Pedro, somente Dora foi deles a depositária. O marido lamentava demais o que a seu ver representava uma barbárie. Inclusive, lhe confiara que estava prestes a procurar quem sabe outro tipo de faina. Entretanto, não houve como o bom mineiro se safar.

A certa altura, todo o centro da igreja já não existia; deixada apenas a fachada, pela metade na sua altura original, a servir de muro e de fecho, para o lado da rua. Restou da igreja uma espécie de oco ou vazio central. Permaneciam somente, nos fundos, - o que era de fato a frente na área interna - ainda intactos, as paredes e todo o altar mor. Fora recomendado cuidado maior para não estragar as imagens, a de Nossa Senhora das Mercês em especial.

A despeito de todo cuidado, certa manhã, a imagem da Virgem desprendeu-se e veio abaixo. Ouviu-se um grito só. Desespero e pasmo.

Quase que a santa não recai justamente por cima do Pedro. Ele, imobilizado, sem capacidade de esboçar o menor gesto, ficou a olhar para a imagem no chão e – aí o milagre! – estava inteira.  Permanecera sem um risco sequer. Suas vestes sem amassar ou rasgar. Caída e inerte, como que esboçava um sorriso de carinho aos pedreiros atônitos.

Ninguém precisou comandar o ato. Numa atitude espontânea e compungida, eles se ajoelharam naquela poeira toda. Somente minutos depois, instados por Pedro, rezaram uma Ave Maria. A partir daí, como que trazidos de volta de um sonho, se permitiram as primeiras palavras de admiração e de contentamento. E como só havia trabalhadores ali, acertaram o compromisso de que aquele fato milagroso e o momento comovido da oração deles, não seriam relatados a terceiros. Entanto, nunca se soube como, o acontecido viera a vazar, a ponto de que mais tarde tal relato tenha sido comentado pelo povo, à boca pequena. Ficção, história, verdade, que o digam os céus.

A derrubada do Conventinho proporcionou outro acontecimento. Outros talvez, vá lá se saber.

As demais imagens, uma de São José e de qual santo seria a outra não se anotou, laterais, foram retiradas em seguida, no maior cuidado.

E chegou o momento de demolir o sacrário e a parede em que se achava incrustado.

Ah, eu não quebro, disse alguém. Nem eu, falou um segundo serviçal.

Após, silêncio absoluto. Sem ação. Perplexos.

Seu Gonçalves entra em cena. Viera inspecionar o trabalho. E até se surpreendeu por ver o serviço parado e os homens pensativos, sem palavras. O que aconteceu, perguntou finalmente.

Um deles, mais por meio de gaguejos, balbuciados quase ao incompreensível, do que por expressões bem arquitetadas, informou que ninguém ousava jogar a picareta contra a parte em que ainda, inteiro, restava o sacrário, bem no centro.

Estes relatos, iniciados na primeira semana de outubro e desdobrados em quatro partes, configuram história em que se misturam ficção e realidade.

Aqui mesmo, neste espaço, na próxima semana portanto, a parte final dessa fase da vida do humilde casal, Pedro e Dora.

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