A Paixão Segundo Itu
Às vezes a gente se pergunta por que faz determinadas coisas. Eu me pergunto: por que escrevo? Acho que escrevo para me comunicar com o mundo, com as pessoas com as quais sou contemporâneo, quero falar de coisas que vejo, que sinto, quero dizer que a vida da gente pode ter poesia. Neste tempo, em que somos submetidos à praticidade nossa de cada dia, de televisão, comida enlatada, internet e outros bichos que deixam a gente mais preguiçosa, é necessário aprender a pensar diferente. Desaprendemos a fazer muita coisa, como também a nos lembrar de outras tantas. Lembrar por que? Coisas velhas são coisas do passado, mortas. Será que esse individualismo neoliberal vai acabar com o que restou de nós?
Tenho vontade de falar o quanto temos a aprender, coisas que não parecem ter sentido em tempos de hedonismo, tudo pronto, fácil, sem esforço. Quero aprender a fazer, aprender a ser, amadurecer, tomar atitudes.
Meus alunos me perguntam: quando a gente amadurece? Eu digo: todos os dias, até o último suspiro de vida! Não adianta achar que vai chegar o dia em que a gente amadureceu, que está pronto. Quem pensa assim apodreceu, precisa começar tudo de novo, todo dia, germinar, brotar, dar folhas e frutos.
Eu me considero um privilegiado, por ter visto e ouvido tanta coisa bonita até hoje. Participei, desde a infância, de círculos de amizade que me fizeram olhar as coisas de várias formas. Agora quero compartilhar algumas delas.
Estou apresentando aos meus concidadãos um segundo livro, A Paixão Segundo Itu – cultura e tradições na Semana Santa. Talvez seja uma pretensão querer dizer aos ituanos qual é a sua memória, quais são os seus costumes, suas tradições. Mesmo assim vou ousar compartilhar os olhares que tenho sobre a nossa cultura em torno da fé.
Itu é uma cidade majoritariamente católica. Estão aí nossas práticas culturais, bem enraizadas, características. Com tantas transformações nas atitudes do clero, nas coisas da religião, adaptações à opressão da cultura “mais atualizada”, restou um sentimento forte da cultura religiosa de outros tempos, que se manifesta, sobretudo na Semana Santa, mais especificamente. Ele nos une, nos faz estar juntos, em sociedade, comunicando as crenças que recebemos dos pais.
Os exercícios da piedade, da penitência, do sofrimento que ainda vemos praticados com bastante empenho, nos ardores da Semana Santa, são resquícios de momentos anteriores da nossa história, de quem nos precedeu. São sobras do tempo.
Ao longo de duzentos anos foi construído todo um patrimônio material, representações para concretizar as crenças, que fizeram de nossa Itu uma referência na celebração da Semana Maior. Procissões, imagens, música, alfaias, pregadores, armadores, gente de todas as classes sociais envolvidas se desdobravam para organizar um acontecimento social de vulto, um encontro em torno da fé, que motivava toda a gente de maneira profunda e marcante.
Cada cerimônia que lembrava a Paixão de Cristo, organizada como momentos significativos na vida da sociedade local, eu quis trazer à memória, descrevendo-as, encontrando significado para os seus elementos, raízes culturais que justifiquem tanta emoção em torno da dor de Jesus e a vivência desta dor na nossa cultura. Alguns elementos que permanecem vivos ainda podem ser percebidos, como as Procissões de Passos e do Enterro.
A Paixão Segundo Itu foi escrito para compartilhar testemunhos que ouvi, que busquei em fontes, que vivi ou que tenho vivido com a gente da minha terra.
Por que escrevi? Para corresponder a tudo que me foi dado, para levar adiante os significados da nossa cultura, para dar sentido às coisas da fé, da cultura local; enfim, para colaborar com o fortalecimento da nossa identidade, para fazer a gente se tornar menos vulnerável, resistir ao que não precisa ser mudado, simplesmente porque é belo.
Quis também entender o estouro do Judas, uma tradição marcante de Itu, mais que centenária, na qual encontrei evidências fortes da cultura local.
A Paixão Segundo Itu é um registro das nossas tradições marcantes da Semana Santa que, não tenho dúvida, é ainda a mais tradicional do Estado de São Paulo, a que melhor preserva elementos do Catolicismo barroco que marcou o universo da cultura colonial paulista. Ela não pode perecer, porque é nossa, a despeito de qualquer novidade que apareça, mesmo que com ardorosas boas intenções. Quanto mais a gente conhecer nossas tradições, mais certeza terá de que há significado para acreditar e praticar.