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Publicado: Segunda-feira, 25 de setembro de 2006

A representação visual das monções

Em Porto Feliz, a poucos metros das águas do Tietê um elegante conjunto escultural rememora o movimento das monções do século XVIII. Monção era o nome dado a cada uma das expedições de comércio que partiam do porto de Araritaguaba, naquela época pertencente à vila de Itu, e que tinham como destino as povoações das minas de ouro de Cuiabá. No monumento de Porto Feliz destaca-se a coluna em mármore rosa, arrematada por uma esfera armilar em ferro batido. A base é formada por uma êxedra, isto é, uma espécie de banco de pedra semicircular com encosto alto. A face interna da seção que serve de encosto apresenta três baixos relevos em bronze. Os baixos relevos reproduzem três famosas representações visuais das monções: A partida da monção , quadro pintado por José Ferraz de Almeida Júnior, A benção das canoas , desenho de Hercules Florence datado de 1826 e A partida de Porto Feliz , desenho de Adriano Taunay também datado de 1826. Das três obras a mais conhecida é o quadro do pintor ituano Almeida Júnior, produzido em 1897 com base nos desenhos de Hercules Florence e Adriano Taunay. A partida da monção está exposta no Museu Paulista da Universidade de São Paulo, popularmente conhecido como Museu do Ipiranga.

A esfera armilar é um antigo instrumento de astronomia, que integrava o repertório de instrumentos utilizados nas grandes navegações. Ela representa o conjunto da esfera celeste e o movimento dos astros. A sua invenção é atribuída ao filósofo grego Anaximandro de Mileto (611-547 a.C.). Na esfera armilar o globo central representa a terra e os vários anéis concêntricos, as armilas, representam os corpos celestes. Com a esfera os antigos astrônomos procuravam compreender o mecanismo do universo e o movimento dos astros. O instrumento também era utilizado para ensinar astronomia, fazer cálculos de geometria esférica, e reconhecer a posição dos astros em diferentes épocas do ano. A concepção das esferas e seu posicionamento mudavam de acordo com o sistema cosmológico do autor. A esfera armilar tem significativa presença na armaria portuguesa e na tradição brasileira. Ela está presente na bandeira de Portugal. Em Funchal, na Ilha da Madeira, uma imensa esfera armilar embeleza uma praça próxima ao mar. Em Porto Feliz, além daquela do topo da coluna do monumento no Parque das Monções, outra esfera armilar foi assentada no centro do antigo Largo da Penha, sítio no qual nasceu a povoação.

O rei D. Manuel I, o Venturoso, tomou por bandeira pessoal uma esfera armilar de ouro em campo esquartelado em aspa, de branco e vermelho. D. Manuel I teve seu nome ligado à mais gloriosa fase de Portugal, na qual os navegadores fizeram as descobertas que encaminhariam a Europa à modernidade. A esfera armilar figurou na bandeira branca do principado do Brasil, criado em 1647. D. João VI escolheu o mesmo símbolo em 1816, uma esfera armilar de ouro em campo azul, para o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Depois da Independência D. Pedro I respeitou a tradição e manteve o símbolo, dando por armas ao Brasil uma esfera armilar em ouro, em campo verde, atravessada por uma cruz da Ordem de Cristo e circundada por uma orla azul com 19 estrelas de prata. Esse foi o brasão de armas do Brasil até a Proclamação da República.

Os idealizadores do monumento de Porto Feliz que rememora as monções colocaram a esfera armilar no topo da coluna para representar um elo entre os descobrimentos portugueses do século XV e as grandes expedições fluviais que, três centúrias depois, partiam de Porto Feliz com a missão de explorar e povoar a região fronteiriça às terras dominadas pelos espanhóis. O monumento foi encomendado por Cândido Mota, Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura. A sua inauguração deu-se a 26 de abril de 1920. A festa de inauguração contou com a presença de Altino Arantes, presidente do Estado de São Paulo [naquela época o governador era chamado de Presidente de Estado], e de um grupo de jornalistas e historiadores. Afonso de Escragnolle Taunay, que além de historiador era o diretor do Museu Paulista — popularmente chamado de Museu do Ipiranga, fez o discurso oficial da solenidade. Ele dedicou a sua fala À Glória das Monções .

O autor do monumento foi o escultor italiano Amedeo Zani. Com uma história de vida parecida a de tantos outros imigrantes, Zani chegou ao Brasil em 1887. Em São Paulo fez estágio no escritório do arquiteto Tommaso Gaudenzio Bezzi, que então construía o edifício que a partir de 1895 abrigaria o Museu Paulista. Depois freqüentou o ateliê do escultor Rodolpho Bernardelli, no Rio de Janeiro. Viajou para a Europa, passou por Paris, morou um tempo na Itália e aos 27 anos voltou ao Brasil. Na capital paulista exerceu o magistério no notável Liceu de Artes e Ofícios a convite do engenheiro-arquiteto Ramos de Azevedo. Amedeo Zani também é o autor de Glória Imortal aos Fundadores de São Paulo , conjunto comemorativo à fundação da cidade localizado no centro do Pátio de Colégio. Neste monumento, uma elegante coluna é encimada por uma emblemática figura feminina.
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