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Publicado: Domingo, 6 de março de 2011

A Roda da Vida

A Roda da Vida

O símbolo mais eloqüente do budismo tibetano a meu ver, A Roda da Vida, é uma aula profunda de trabalho interior, como tudo o que essa cultura criou. Vale a pena apreciar essa obra de arte objetiva que nos foi deixada por esse povo dos Himalaias.

No centro dela há 3 animais, uma cobra, um galo, um porco, ou seja, o ódio/medo (uma unidade), a avidez e a ignorância entrelaçados, um correndo atrás do outro e mordendo avidamente um ao outro como não podia deixar de ser. E essa trindade é tingida, pela shenpa, (apego, fisgar, ficar colado) como eles dizem.

É como um átomo do sofrimento, a partícula indivisível que é a fonte da dor, atrelada ao apego, o seu núcleo. Essa é uma redução ao denominador comum, de toda variedade do sofrimento que encontramos desde sempre. O budismo tibetano fez uma obra prima de sintetização de um dos temas metafísicos de maior complexidade que conhecemos, o sofrimento. E a partir dessa gênese, em círculos concêntricos a roda se esparrama na diversidade estabelecendo o quadro todo da Vida.

A parte principal da roda é dividida em seis partes, representando os seis reinos da existência cíclica ou samsara em sânscrito. Na parte de baixo, estão os três reinos inferiores:seres dos infernos, espíritos carentes, e animais. Na parte de cima, estão os três reinos superiores: deuses, semideuses, e nós humanos. Na borda da roda, doze ilustrações representam os elos da existência não livre, condicionada. Em cada reino há um buddha.

Quem segura a roda com garras e dentes é Yama, o demônio da morte da mitologia indiana. Sua terrível presença simboliza a impermanência; nenhum ser vivo pode escapar de suas garras. Entretanto, o Buda está flutuando no céu e apontando para a lua cheia, ou seja, os seus ensinamentos apontam o caminho para a liberação.

Não podia ser mais preciso e lacônico o símbolo: essas 3 coisas, ódio/medo, avidez e ignorância, atiçadas pelo estado do apego produzem a matriz do sofrimento. E já basta. É de uma simplicidade chocante, como se dissesse “você só precisa ficar atento e trabalhar o apego, que produz as outras 3 coisas, para voltar ao seu estado original de felicidade”. Um achado. É interessante olhar a atitude desses 3 animais para chegar à essência de cada um: o olhar duro e arredio da cobra, controlador e tenso do galo, e unilateral e oco do porco, todos identificados com a sua natureza, desprovidos da possibilidade de um “destacamento” da situação. Nenhum consegue um distanciamento para perceber uma alternativa mais ampla e abrangente de o que está em torno de si.

A mandala tem mais uma infinidade de detalhes simbólicos mas só esses iniciais já bastam para uma vida de trabalho interior.

Quando a gente medita, se ficar atento e rente ao corpo de sensação, consegue identificar em cada distração, fantasia ou rejeição um desses 3 motores da vida humana e o seu cimento comum, o apego...

Eckhart Tolle fala em uma coisa chamada Corpo de Sofrimento, ou Corpo de Dor em algumas traduções, uma superestrutura formada por essa alimentação que damos ao sofrimento em cada um de nós quando nos deleitamos na mídia com o noticiário da violência, do crime hediondo, da catástrofe, do fim do mundo, da miséria humana. Como uma nuvem esse corpo paira, se alimenta e se fortalece com a energia que mecanicamente todos damos e recebemos num círculo infernal.

Desperte! Você está criando o seu mundo com o poder mágico de Ser Humano que você nem sabe que possui. Você é um aprendiz de feiticeiro, que não sabe que tem poder de criar o mundo em que vive. Para depois reclamar dele, choramingando. Em termos de energia, o esforço para criar um Corpo de Otimismo e Alegria é o mesmo, talvez até menor. Nem falo em Amor porque é ainda mercadoria desconhecida e rara nesses tempos conturbados de Kali Yuga. O povo ou se escandaliza, ou ridiculariza, ou acha muito difícil amar. Mas é esse o gesto que falta. É aí que mora a Magia. Ou como diz o caipira, “é aí que você deve amarrar o seu burrinho”.

Pratiquem sem pressa, e observem no seu dia a dia. Depois me contem...

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