Publicado: Quarta-feira, 8 de agosto de 2007
A Saga das simpatias
Eram altos, deselegantes, longos e em nada condiziam com sua delicada e frágil personalidade. Como definia muito bem o porteiro do prédio, seus soluços eram de ‘enchê os bôrso de vergonha’.
Tinha-os todo santo dia, feriado, dia facultativo, segunda-feira nublada, era batata, quando menos se esperava ele surgia majestoso, imponente, sempre entre uma palavra e outra, pra que ficasse ainda mais constrangedor. Isso é o que basta saber sobre ela pra que se entenda o conto a seguir.
Depois de muito paquerar um interessante colega de trabalho, conseguiu receber um convite pra jantar. A noite prometia, tudo deveria ser o mais perfeito possível, a música, a roupa, o perfume, as palavras milimetricamente calculadas deveriam soar como naturais. Uma conversa adulta, casual e, sobretudo, desinteressada.
Chegara o grande dia, tudo dentro dos conformes, tudo preparado, local perfeito, a vítima se comportava como um lorde, tudo ia bem. Feliz da vida, se sentindo a mulher mais interessante do universo, entre uma das frases de impacto, fez menção de fazer um comentário profundo sobre o vinho que tomavam. Diria que conhecia muito sobre uvas, que seu avô tinha uma pequena vinícola ao sul da Argentina, e que desde pequena tomara gosto pela bebida.
Encheu os pulmões de ar, fitou-o por um breve segundo, e falou, ao menos tentou falar, mas o que se ouviu, segundo clientes de mesas vizinhas, foi um som grotesco, como de algum animal enjaulado vindo de dentro de uma caverna.
Foi assustador! Dizem ate que o suflê que acabara de ser servido, com o susto murchou instantaneamente. Pra piorar, como todos nós sabemos, o soluço nunca vem sozinho, vem acompanhado de mais alguns, no caso dela, de muitos. Teve de ir embora. Nem a noite perfeita, sapato altíssimo, o perfume, o vestido novo, seriam lembrados pelo candidato, após aquela noite fatídica.
Ao chegar em casa, desgostosa com o desfecho da noite, buscou pelas chaves da porta, não as encontrou, tinha problema em se lembrar das pequenas coisas do dia-a-dia, pelo nervosismo sentiu o pescoço repuxar, e a câimbra se fez presente. Agradeceu pelo bom tempo, afinal trancada pra fora de casa, chuva não seria bem-vinda, arruinaria sua “escova”. Pensou no fim de semana na praia onde se esqueceria, entre uma caipirinha e outra, da atrapalhada noite; nem a sua falta de dinheiro estragariam seu bronzeado.
Parecia brincadeira, mas um vento suspeito soprou, o céu começou a fechar, nuvens carregadas se formaram e uma torrencial chuva despencou sobre sua cabeça. Sua noite estava completa, molhada, solucenta, com câimbra, trancada pra fora de casa, e a chuva que caía: precisava dar um jeito na sua vida.
Trazido pelo vento, um pequeno pedaço de papel rosa voou em sua direção, pegou-o no ar. Leu em letras garrafais:
- “Dona Cotinha benzedeira, cura males de amor, calos, verrugas, impotência, falta de dinheiro, problemas de insônia, furúnculo, falta de memória, enxaqueca, cárie, recupera escova progressiva, mau hálito e catarata”.
Aquilo só podia ser um sinal...
(continua!)
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