Colunistas

Publicado: Segunda-feira, 10 de setembro de 2007

A Saga das Simpatias (Parte ll - Reconhecimento)

Crédito: CORBIS A Saga das Simpatias  (Parte ll - Reconhecimento)
Era a próxima esquina à direita o endereço da benzedeira. Estacionou o carro, acionou o alarme e tocou a campainha; alguns segundos depois uma gigantesca mulher, trajando um vestido que mais parecia uma lona de circo, de tão colorido, usando um turbante púpura, de onde reluzia um enorme falso brilhante que “acendia”, apresentou-se como Dona Cotinha.
 
Foi convidada a adentrar o santuário da senhora; encaminharam-se lentamente para a sala espiritual. Pelo caminho, velas, imagens de santos conhecidos, outros não, fotos de gente comum, crianças, membros, fitas coloridas, vidrinhos vazios, flores ressecadas, terços, figas, trevos, pés de coelho, maços de arruda, espadas de São Jorge, sal grosso, montanhas de revistas, daquelas que ensinam desde cartomancia até leitura da borra do café. No canto esquerdo da minúscula sala, um altar com água e uma bíblia entreaberta; no canto direito, um computador ligado e um jogo de paciência pela metade; na parede ao fundo um adesivo da VISA e outro, amarelado: “sorria, você está sendo filmado!”.
 
Convidada a sentar, obedeceu prontamente. Colocou a bolsa junto de si, no chão. No minuto seguinte, após o berro que a senhora deu, recolheu-a ao seu colo, com a certeza de que ali terminaria seu problema de ordem financeira: bolsa no chão nunca mais! Sentiu levantarem os pêlos do braço. Deu uma discreta olhada em volta, e certificou-se que a porta estava aberta, no caso de uma fuga se fazer necessária. Ajeitou-se melhor na desconfortável cadeira e respirou fundo.
 
Sentiu alguma coisa tocando seu pé, puxou-o para o lado, mas o incomodo o seguiu. Olhou para baixo e deparou-se com um esquelético e sarnento gato preto de três patas. Tinha verdadeira ojeriza aos felinos, desde a mais tenra infância, ainda mais um como aquele. Como enxotar o animal sem que a dona percebesse? Em um rápido movimento apontou o computador e sugeriu que o oito de espadas, na coluna do meio, daria por encerrado o jogo.
 
No momento em que Dona Cotinha se virou, pra conferir a dica, ela deu literalmente um coice no frágil animal e o arremessou contra a parede. Ao chocar-se com ela, soltou um triste e longo miado. Sua dona, sem entender o que acontecia, levantou-se e foi ao seu encontro. Nesse breve percurso discorreu todo amor que nutria pelo animal, comparando-o a um filho que não tivera.
 
Como era de se esperar a cliente demonstrou ‘enorme’ interesse pelas palavras de carinho proferidas pela benzedeira. Não saberia dizer em que momento se deu o ocorrido, mas o gato encontrava-se agora em seu colo, ao mesmo tempo em que a dedicada ‘mãe’ discursava, em tom grave, sobre como o caráter e a boa sorte de uma pessoa eram medidos proporcionalmente pelo amor que esta despendia aos animais.
 
Concordou com um sorriso amarelo e um leve aceno de cabeça, enquanto se esforçava para afagar a minúscula cabeça do sarnento felino.
 
Respirou fundo, tinha que acreditar!
- Continua!
 
Ps: Após ser consultada sobre o problema apresentado pela leitora Allie, Dona Cotinha afirma que para acabar com a crise de espirros, nada como um bom tanque de roupas sujas e uma folha de avenca amarrada ao dedo mindinho do pé esquerdo durante a lua cheia com o estômago vazio de preferência.
Comentários