Publicado: Sexta-feira, 12 de outubro de 2007
A saga das Simpatias (parte lll-Desentendimentos)
Dona Cotinha, tinha fala mansa, transmitia segurança, seu olhar era doce. Se a encontrassem na rua diriam tratar-se de uma avó italiana zelosa, nada além disso.
Seu slogan, assim como todo o material promocional, como gostava de dizer, tinha sido elaborado com produtos da melhor qualidade, por um cliente satisfeito, dono da melhor agência de publicidade do bairro.
Dizia a benzedeira que as pessoas que procuravam por sua ajuda não pagavam pelo serviço, traziam-lhe bons presentes, tentando quebrar o gelo inicial da conversa.
Ótimo, pensou consigo, já deixou claro que independentemente do que eu precise não sairia barato, lembrou-se do famigerado cheque especial e seu limite.
A cliente bebeu um copo de água de procedência desconhecida e precisou mentalizar seu problema mais sério: qual deles deveria eleger como o mais importante? Pensou nas enxaquecas, na falta de dinheiro, no cabelo indomado, no bendito soluço, mas chegou à conclusão que o pior mesmo era ter que continuar sozinha.
A benzedeira, sem abrir os olhos, de pronto disse que a cliente buscava cura para mal de amor. Começou a dizer palavras desconexas, ergueu as mãos, chacoalhava-as no ar, levantou-se da cadeira, apanhou folhas de espada de São Jorge e se dirigiu à cliente prostrada, pedindo que a mesma fechasse os olhos e imaginasse como seria seu homem ideal.
A cliente por sua vez, fazia força, tentava buscar no fundo da alma alguma referência possível, lembrou-se do colega de trabalho, mas imediatamente apagou-o da memória. Por conta dele todos no escritório agora se dirigiam a ela como Maria Solucenta. Um homem como esse não poderia ser de forma alguma seu ideal, mesmo sendo bastante interessante, simpático e bonitão.
Apertou os olhos ainda mais, limpou a mente, respirou fundo, escutava lá longe a voz da benzedeira rezando, sentia as folhas serem balançadas ao redor de sua cabeça e corpo, não conseguia pensar em um único homem que tivesse as qualidades que ela achasse importantes e essenciais no sexo oposto. Toda vez que fechava os olhos se lembrava do irmão magricelo, andando pela casa de cuecas e meia, e isso estava bem longe do seu ideal masculino; questionou a existência de um homem perfeito, ideal, e achou melhor reunir uns poucos e deles buscar alguma inspiração.
De repente, a cliente lembrou-se das pernas do Montanaro, da educação do Supla, da voz do Johhny Cash cantando I’m a long way from home, do império de Bill Gates, mesmo dinheiro não sendo tão necessário assim, da boca do Alexandre Frota...dele desistiu, mudou pra Brad Pitt. Desistiu também, preferia a do Joaquin Phoenix mesmo, da ginga do Maradona, o corpo do Paulo Zulu, da filantropia do Bono Vox, das olheiras do Benício Del Toro, das covinhas do David Beckhan, da ironia do Jack Nicholson, do charme de Sean Connery, do nariz do Caco Ciocler, da força do Arnold Schwarzenegger e do requebrado do Elvis. Pronto, seu homem ideal deveria resumir essas poucas qualidades, à imagem e semelhança de todos eles juntos, disse ela em voz alta.
Dona Cotinha arregalou os olhos, que nem de longe apresentavam a calmaria costumeira, pigarreou a garganta, interrompeu a reza, jogou as espadas de São Jorge longe, fitou a cliente secamente e disse em tom nada amistoso, que ela era a benzedeira de maior renome na praça, mas que a única pessoa que podia ajudá-la nesse caso era ‘Seu Roudini', o mágico da cidade, mas que infelizmente tinha partido em excursão com o circo no verão passado.
Continua!
Comentários