Colunistas

Publicado: Quarta-feira, 25 de julho de 2012

A saga de Belo Monte

Crédito: Paulo Jares / Pedro Martinelli A saga de Belo Monte
Encontro de Altamira reuniu 3 mil pessoas, 650 índios, e foi considerado um marco do socioambientalismo no Brasil

A foto ao lado foi tirada em 1989, em Altamira (PA), entre 20 e 25 de fevereiro, durante o I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, que reuniu nada menos que três mil pessoas, entre elas 650 índios que expressaram ao Brasil e ao mundo seu descontentamento com a política de construção de barragens no Rio Xingu. Kararaô, que seria mais tarde rebatizada de Belo Monte era a primeira de um complexo de cinco hidrelétricas planejadas pela Eletronorte. De acordo com o cacique Paulinho Paiakan principal organizador do evento ao lado de outras lideranças como Raoni, Ailton Krenak e Marcos Terena, o foco central da manifestação era encerrar de uma vez a tomada de decisões sem uma consultar prévia aos povos indígenas.

Já em 2008, 19 anos depois, realizou-se também em Altamira o II Encontro dos Povos Indígenas do Xingu onde surgiu o Movimento Xingu Vivo para Sempre, o encontro ficou marcado pelo gesto de advertência da índia kaiapó Tuíra, que tocou com a lâmina de seu facão o rosto do então diretor da Eletronorte, José Antônio Muniz Lopes, presidente da estatal durante o governo FHC. O gesto forte de Tuíra foi registrado pelas câmaras e ganhou o mundo em fotos estampadas nos principais jornais brasileiros e estrangeiros. 

Hoje em 2012 assistimos a polêmica construção de Belo Monte que poderá se tornar a terceira maior hidrelétrica do mundo. No coração da Amazônia, um exército de mais de 8 mil trabalhadores, cerca de 900 caminhões e centenas de máquinas trabalham 17 horas por dia na construção de uma obra colossal que modifica toda a região.

Em um voo sobre o Rio Xingu, um dos principais afluentes do rio Amazonas, com cerca de 2.000 km de comprimento, totalmente cercado pela floresta, já é possível ver quilômetros de terra removida e obras que avançam rapidamente. Fotógrafos do Greenpeace sobrevoaram a região e registraram em imagens impressionantes o impacto ambiental da construção da usina.

Apesar dos inúmeros protestos contra a implementação da obra por parte de: organizações não governamentais nacionais e internacionais como as ONGs Movimento Xingu Vivo Para Sempre, Amazon Watch, Planète Amazone e AVAAZ; de centenas de celebridades como o diretor de cinema James Cameron (filme Avatar) e de artistas participantes do Movimento Gota D'Água; de comunidades indígenas locais; de grande parte da comunidade acadêmica mundial como o professor da USP Célio Bermann;  o governo brasileiro insiste de forma anti-democrática em dar proseguimento a obra ignorando até mesmo as incontáveis ações judiciais por parte do Ministério Público do Pará contra a instalação da usina, que questionam desde os estudos que permitiram a concessão da licença para a instalação até a maneira como as audiências públicas foram conduzidas.

Infelizmente Belo monte, esta prestes a se juntar ao seleto grupo de usinas hidrelétricas que trouxe sérios problemas sócio-ambientais a região norte de nosso país, assim como as usinas de Tucuruí (PA) e Balbina (AM). Ambas desalojaram comunidades, inundaram enormes extensões de terra e destruíram a fauna e flora daquelas regiões. Balbina, a 146 quilômetros de Manaus, significou a inundação da reserva indígena Waimiri-Atroari, mortandade de peixes, escassez de alimentos e fome para as populações locais. A contrapartida, que era o abastecimento de energia elétrica da população local, não foi cumprida. O desastre foi tal que, em 1989, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), depois de um levantamento criterioso da situação do Rio Uatumã, onde a hidrelétrica fora construída, declarou em relatório que o rio havia sofrido morte biológica. Em Tucuruí cerca de dez mil famílias ficaram sem suas casas e terras, entre indígenas e pescadores.

O início da construção, mudou totalmente a cidade de Altamira e também os municípios vizinhos, estima-se que a população de cerca de 100 mil pessoas tenha aumentado em quase 50%, crescimento este que não foi nem de longe acompanhado pelos investimentos em serviços de utilidade pública. Milhares de famílias se preparam para abandonar suas casas que serão inundadas pela represa. “Não quero ir para outro lugar, gostaria de continuar aqui”, reclama a Sra. Helinalda Soares ao lado de seus três filhos pequenos, que cita ainda que: “As obras de Belo Monte avançam muito rápido, e a obra social que prometeram para a cidade e as comunidades, muito lenta”. 

O impacto sobre os mais de 2.000 indígenas desta região do Xingu é um dos grandes problemas representados pela barragem que inundará 502 km². “Nós vivemos da pesca e vamos sofrer com uma grande seca do rio, nos sentimos ameaçados”, disse Marino Juruna, filho do cacique da aldeia Paquiçamba, a quase três horas de Altamira. José Cleanton coordenador do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) alerta que: “Como os índios eram os únicos que representavam uma real ameaça à obra com sua oposição, estão sendo comprados com embarcações e bens”.

Sem falar nos problemas com os agricultores locais, que serão indenizados somente por áreas de pasto. O fazendeiro Manoel Pires proprietário de uma reserva legal, registrada no Ibama, com todos os impostos pagos está para ver toda a sua propriedade ser completamente alagada com o funcionamento da hidrelétrica, Manoel afirma que: “Minha reserva tem mais de 5 mil árvores, preservei tudo aqui pensando nos meus filhos e netos". O agricultor foi informado pela Norte Energia que só será indenizado pela parte da fazenda onde tem gado e cacau. Agricultores vizinhos estão na mesma situação. 

Nem mesmo os operários que trabalham na obra estão felizes. Foram muitas paralisações desde o início do projeto.

Comentários