À socapa
Ora vejam, sim senhor. O jovem sentado à frente, faz cara de espanto, a perguntar o que é isso.
O que significa: à socapa?
Tem-se dito, afirmado e reafirmado, que um idoso, alguém entrado em anos para lá dos sessenta e tanto - os além de setenta nem se fale - costumam ter uma prosa permanente imbuída de saudosismo.
Não comece por aí que os circunstantes mais novos, de quarentôes para baixo, mal escondem sua feição de enfastio. Lá vem vem ele, é o pensamento que certamente aflora à ideia desses amigos.
Os senhores e às vezes elas também, os de idade provecta, tecem comentários porque eles sim, têm motivos e exemplos a citar, testemunhas e atores que foram de hábitos salutares, hoje atirados ao lixo, no mais inconcebível dos desprezos. Viveram o passado mais longinquo e o presente e se lhes autoriza por isso fazer comparações. Em tempos transatos, respeitava-se e se era respeitado. Em Portugal, cioso do idioma, se diria e com propriedade, “tempos transactos”.
O apreço no falar e sobretudo de se escrever com um mínimo de qualidade, são cuidados de antanho.
Vocábulos, ainda que de pequena diferença daqueles de uso verbal corrente, não podem ser usados, sob o peso de o cidadão ser tomado como excêntrico ou pedante.
Bazófia e tempo perdido, tentar chamar a atenção para o fato de que a busca de um linguajar decente, mesmo aque longe ainda de um apuro linguístico, constitui-se numa das primeiras aspirações para o exercício da cidadania.
A palavra patriotismo então, que nem seja aqui mencionada. Talvez passe pela cabeçca de incautos. que somente vibrar diante da televisão ou nas arquibancadas com as vitórias futebolísticas do Brasil - quando acontecem ! - seja a melhor das manifestações do autêntico sentimento pátrio.
Orgulho da terra natal, de ser brasileiro, é muito mais que isso.
Mas, para evitar fuga ao assunto, volte-se para a expressão "à socapa".
Volta e meia, é-se perguntado porque articulistas deixam escorrer da pena (hoje o dedilhar veloz no teclado da modernidade virtual) palavras cujo significado muitos leitores desconhecem. Quando algum jornalista ou escritor vier a forçar uma situação, mais arquitetada do que espontânea, tornam-se ridículos. Ao enveredar por aparências, escorregam e caem. As frases e os períodos não se ajustam.
Há que se respeitar, pois, aquele estilo visto como talvez fora de alcance comum, como uma oportunidade ao leitor para o aprimoramento do próprio vocabulário. Aliás, consigne-se sem qualquer pejo, justamente o contrario. Quando ocorrem ao escritor, numa sequência lógica e fluente, vocábulos não tão conhecidos, por que iria ele evitá-los?
Razão, portanto, à revista VEJA (29.6.11), na seção "Blogosfera", ao tecer comentário sobre a expressão "à socapa". Cita essa locução adverbial como antiga e romântica, mas que anda injustamente esquecida. Deriva de "sob a capa", às escondidas, sob disfarce.
Ela - e outras - caem realmente em desuso, pela massificação da vulgaridade como um todo e, em particular, pelo desditoso e incontrolável declínio da qualidade do ensino no Brasil.
O nível de escolaridade neste país coloca-se, vergonhamente, abaixo daquele de muitas nações paupérrimas.
Imagine-se então a surpresa do jovem, se ele visse e ouvisse esta outra locução do mesmo sentido: à sorrelfa. Não pasme. De sinonímia perfeita. É legítima e que a use quem a conhece.
Não sabia nada mesmo, andava muito distraído, Monteiro Lobato, quando afirmou que um país se faz com homens e livros ...
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- bernardo campos