A viagem
A água virgem se agitou e ganhou uma cor barrenta escondida na memória do lugarejo; o último registro foi em meio à rusga entre um jovem arrogante e um ancião reacionário. Aquele som forte e oco foi se aproximando cada vez mais e todos correram instintivamente para abrigos improvisados. Alguns fugiram com temor consciente enquanto outros correram por reflexo do pânico instaurado. Ela ficou parada, sem direção e boquiaberta com a coloração inédita que impedia a visão mais apurada. Então sentiu uma temperatura estranha em seu plastrão e uma força que a sacou da água. Ainda hipnotizada por aquilo tudo, não se apercebeu do destino até que foi jogada em um cesto de vime. Tentou escalar e voltar para sua gente quando deu conta do céu estar se movimentando na mesma direção das árvores. Quando o dia já entardecia foi tirada do cesto, posta no chão quente da calçada e viu um garoto triste ser conduzido por seu pai que, submisso, abriu-lhe o portão do prédio. O garoto sorriu. A tartaruga chorou.