Álbum de retratos
Ontem fui mexer em fotografias antigas em busca de algo que me foi pedido.São caixas e álbuns que misturam as famílias em uma confusão de datas, nomes e sobrenomes que já há algum tempo está precisando de ordem.
Como sempre, quando reviro esses guardados, acabo meio que esquecendo o que foi procurar. Acabo envolvida por todos aqueles personagens, pela história que construíram em suas vidas e que, de certa forma, continua viva nas cores amareladas pelo tempo.
Acho imagens interessantíssimas, de uma Itu de mais de cem anos, com figuras de semblantes circunspectos, roupas escuras, em poses que certamente foram planejadas para dar maior efeito.
Algumas tem um escrito no verso, com data e algum nome, algumas dedicatórias carinhosas aos padrinhos, tios e outras tantas são totalmente desconhecidas. Tem lá seus personagens misteriosos, sem referência que possa ajudar a situá-los no fio da saga familiar.
Essa pequena coleção está sendo juntada há anos, recolhendo aqui e ali os fragmentos que restaram dessa gente empertigada nos seus retratos.
Tenho apreço especial por algumas, talvez pelo significado que têm, como o retrato de Louis Amirat com seus filhos no quintal da casa. Já mostrando sinais de muita idade, pode-se entrever um olhar meio divertido e bastante orgulhoso, como se ali estivesse posando ao lado de sua obra-prima.
A fachada da casa dos Leitão na Rua da Palma, com seus moradores nas janelas me fala do modo de vida dessa gente tão pitoresca e tão cheia de causos divertidos. Lá estão Sylvio e Zelinda em uma janela, as meninas na outra, os menorzinhos no colo ou na calçada, os calções curtos e largos fazendo-os parecerem ainda mais franzinos.
Ao observá-los é impossível não notar a beleza despojada da casa, a satisfação dos pais com sua prole, uma alegria simples como a vida que levavam. Isso também transparece no cartão postal, com as crianças vestidas de pierrots no carnaval de 1922, uma escadinha bem alinhada, compenetrada como se adivinhassem a importância que um dia teriam em minha coleção.
Os retratos misturados nas caixas desordenadas revelam situações cômicas, pelos menos vistas da nossa perspectiva. É até absurdo imaginar alguém chamado assim, mas está lá, assinado com letra caprichada o nome de ... Veado, que ao lado da esposa dedicou “ esta singela lembrança à mui estimada madrinha..” . Infelizmente o senhor Veado não colocou a data nem o nome da homenageada, mas calculo que a singela oferta é do começo do século passado.
Lastimo muito que grande parte desse acervo familiar perdeu-se com o passar do tempo, com as mortes dos que as guardavam e o esquecimento dos que sobreviveram a eles. O que pude juntar, às vezes por mero acaso e sorte, espero em breve cuidar com o esmero que merecem.
Quem sabe daqui a cem anos, alguém ache meu retrato. Vai achar engraçado e o nome estranho, mas ainda assim, me reconhecerá como parte de sua história.