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Publicado: Domingo, 27 de maio de 2012

Amigos, amigos, negócios à parte

Estive analisando como os valores das pessoas e da sociedade mudam ao longo do tempo. No passado, os conceitos que aprendíamos eram claros e, por exemplo, na minha infância, uma pessoa era desonesta se roubasse um real ou um milhão, ser bom incluía não fazer coisas más e ajudar ao próximo.

Atualmente, os valores se tornaram relativos e ouvimos frequentemente expressões como “rouba mas faz” ou que alguém  é bom somente porque fez alguma coisa que era correta, quando tinha a opção de fazer a errada.

E essa análise me trouxe outra reflexão: o que é lealdade em nossos dias?

Antigamente lealdade significava que uma pessoa se tornava leal a outra porque a respeitava e acreditava que seus valores eram compatíveis com seus próprios. E atualmente?

Na prática, o significado continua igual, mas a aplicação do conceito na prática mudou muito e se há uma expressão que parece representar a lealdade muito bem é a “Lei de Gérson”, ou seja, levar vantagem em tudo. Para quem não se lembra, essa frase foi apresentada por Gérson, jogador da Seleção Brasileira de Futebol uma propaganda do cigarro Vila Rica em 1976 e a expressão se tornou popular no início dos anos 80 quando começaram a surgir grandes escândalos na mídia.

E em ano de eleição essa “Lei” parece ser muito aplicada pelos candidatos, que mudam de partido de acordo com o que lhe for oferecido por seus votos potenciais. Recentemente deixei de respeitar um amigo quando ele afirmou não ver problema em enriquecer com dinheiro público se fizesse bons projetos para sua cidade caso se elegesse como vereador.

Mas na vida pessoal e profissional dos que não são candidatos a situação é semelhante.

Quantas vezes pessoas que investiram muito tempo e conhecimento em um projeto são deixadas de lado por seu “amigo de infância” porque o patrocinador prefere colocar alguém de suas relações? E o pior é que a justificativa do “amigo de infância” é que precisa do financiador para que o projeto ocorra, ou seja, esse tipo de atitude parece natural, mesmo ignorando a dedicação da outra pessoa e deixando de lado questões éticas e até mesmo amizades de longos anos.

Christophe Dejours, no livro “A Banalização da Injustiça Social”(*) publicado no Brasil em  2000, apresenta uma concepção diferente do termo “injustiça social”. Esse autor destaca que costumamos nos sensibilizar pelas crianças abandonadas e outras questões similares, mas que deixamos de perceber outro tipo de injustiça invisível que acontece diariamente nas empresas. Para manter sua posição ou obter vantagens pessoais, as pessoas abandonam seus valores e se tornam engrenagens de um sistema injusto, que cada vez mais valoriza o resultado financeiro e menos o resultado social.

Como exemplos do que relata o autor, diariamente vemos nas empresas pessoas em posição de chefia que preferem manter seu emprego e aceitam tomar atitudes que nunca aceitariam em um ambiente ético e justo. Funcionários se tornam inimigos de antigos grandes amigos para concorrer a uma promoção e vendedores falam grandes mentiras aos clientes para ganhar uma comissão maior.

Em outra perspectiva, quantas pessoas são demitidas ao dizer a verdade, contrária ao desejado por alguém em posição de poder ou que foram “colocadas na geladeira” ao contestar uma demissão incorreta? E quantas continuam desempregadas ao contar as verdadeiras razões de sua saída do emprego anterior?

O que vemos como resultado é que o mundo capitalista estimula as pessoas a valorizar o dinheiro e poder em detrimento da amizade e das relações, alimentando um sistema econômico que usa de mecanismos automáticos de auto-proteção e auto-alimentação e destrói os que não se enquadram.

Você já parou para pensar em quantas vezes ajudou a alimentar esse sistema em sua vida pessoal e profissional?

(*) resenha disponível para leitura em aqui.

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