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Publicado: Sexta-feira, 18 de setembro de 2009

As bodas de prata de Amyr

Você certamente já ouviu falar em Amyr Klink. Navegador paulista, hoje com 55 anos de idade, ele foi protagonista de um feito individual histórico. Há 25 anos, mais precisamente em 18 de setembro de 1984, ele foi o primeiro homem a cruzar o Atlântico Sul em um barco a remo.

Partindo do porto de Lüderitz, na Namíbia, durante 100 dias Amyr remou em seu barco Paraty sem ajuda de motores ou velas. Cruzou 7 mil quilômetros apenas com a força dos braços movendo os remos. Enfrentou ondas e tempestades, conviveu com baleias e tubarões, desenvolveu técnicas imediatas para enfrentar a solidão e o tédio de quem passava 24 horas vislumbrando apenas água no horizonte.

Depois de uma centena de dias, Klink finalmente aportou no litoral da Bahia. Os que até então o chamavam de louco, ficaram embasbacados com esse seu feito. Todos os preparativos, os problemas, os medos e desafios mais perigosos, foram depois relatados por Amyr em um livro, chamado “Cem Dias Entre o Céu e o Mar” (José Olympio Editora).

Nunca me dei bem com o mar. Acho que é coisa de quem nunca soube nadar, atividade que apenas recentemente aprendi (um pouco). Entre os amigos e amigas, são famosas as histórias de pequenos afogamentos que quase sofri. Se bobear, sou do tipo que se afoga até mesmo debaixo do chuveiro. Enfim, sou muito apegado à terra firme e não gosto de sentir-me longe dela, seja na água ou no ar.

Principalmente por conta disso, passar 100 dias em mar aberto é uma das coisas que certamente jamais faria na vida. Ao saber de tal feito, passei a cultivar Amyr Klink no panteão de figuras que admiro. Cheguei a conhecer o barco Paraty, durante visita ao Museu Nacional do Mar, localizado na cidade de São Francisco do Sul (SC). É um barco a remo de seis metros de comprimento, de fato muito pequeno. Incrível imaginar que navegador e embarcação resistiram a tão grande desafio.

Lendo o relato de Amyr, passei a admirá-lo mais ainda. No livro ele conta os detalhes de planejamento do projeto, a construção do barco, o desenvolvimento do cardápio e dos equipamentos eletrônicos de comunicação e navegação. Mesmo sem tecnologias atuais, como o GPS, a internet ou os alimentos transgênicos, Klink pensou em todos os problemas possíveis e nas formas de enfrentá-los quando estivesse em alto mar, completamente sozinho.

Navegar em ondas de até 17 metros de altura, enfrentando ventos com mais de 240 km de velocidade. Acordar de madrugada e no escuro, com tubarões batendo no fundo da embarcação, com apenas um centímetro a separar seu corpo dos dentes da fera do mar. Assustar-se com baleias que, repentinamente, surgiam das profundezas para rondar o Paraty. Não foram poucas as dificuldades para o navegador brasileiro. Os brasileiros devem se orgulhar de um feito desses e não há como deixar de fazer um paralelo dessa história com a vida de cada um de nós. 

O que é a existência, senão um constante navegar em águas incertas? Não seria a vida tão frágil quanto o Paraty? Não é cientes dessa fragilidade que enfrentamos as enormes ondas de problemas que desabam sobre nós? Por vezes não nos afogamos com o turbilhão de fatos desagradáveis que surgem sem aviso? Também não ficamos inseguros com a escuridão da noite silenciosa e com a falta de perspectiva no horizonte?

Assim como Amyr Klink esteve sozinho a remar no Oceano Atlântico, também estamos solitários em nossas jornadas pessoais. Ninguém pode remar o barco em nosso lugar. Todos os planejamentos e esforços devem ser realizados individualmente. Somos apenas nós, os desafios e a esperança a nos manter remando.

Chega a dar medo e desânimo, não é? Mas na correria do cotidiano, no calor das soluções que precisamos buscar, nem nos damos conta destas e outras coisas. Depois de uma onda, sempre vem outra onda. Quando o vento deixa de nos incomodar, ficamos inquietos com o barulho do silêncio. Quando não é uma baleia, vem um tubarão a nos tirar a paz. E com tantos desafios para vencer, vamos vencendo-os, sem perceber a imensidão do oceano que deixamos para trás.

O importante mesmo é sempre remar, mantendo os braços fortes. É deixar a mente preparada para pensar nas soluções. É não se desesperar com a falta momentânea delas. É também saber a hora de entrar no barco, trancar a portinhola e por lá ficar até que a situação melhore. É aproveitar os ventos que vierem a nosso favor e, sobretudo, jamais permitir que a esperança de aportar novamente morra dentro de nós.

Amém.

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