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Publicado: Domingo, 5 de maio de 2019

As chaves

As chaves
Balzac, escultura de Rodin

Assim que foram juntadas, a anciã notou a insatisfação da mais jovem. Foram apertadas, as duas peças, na morsa. A matriz, já gasta do tempo, porém perfeita à sua finalidade ainda depois desses anos todos, já estava acostumada com os mordentes; dela copiaram a sina de muitas outras que se perderam no caminho, vítimas do zelo deformado de seu tutor. Agora, mais uma lhe sairia à imagem e semelhança, porém isso a deixou de inspirar com o tempo. "Oi, velha... Até que enfim poderás descansar, né? Esse povo é muito ingênuo, afinal, na sua idade nem deverias estar por aqui ainda, Deus que me perdoe!", foi caçoando a moça num monólogo melindroso que se iniciara há alguns minutos com "acidentais" cotoveladas. Enquanto o chaveiro deslizava a lima murça no acabamento, ela aproveitou para uma última provocação: "Cada qual tem seu tempo, senhora, mas fique tranquila que a honrarei na difícil lida de abrir sempre a mesma fechadura", completou sarcástica. Fora da prensa, a velha foi guardada no cofre.

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