As garras da ambição
Débora estava, já há algum tempo, desempregada.
Estava chegando às raias do desespero com as economias zeradas e as contas acumulando-se.
Foi então que sua amiga, Anita, que vendia produtos trazidos do Paraguai, a convidou para trabalhar com ela.
Débora ficou indecisa:
- Eu acho perigoso...
- Não há perigo algum, desde que a gente compre dentro do limite permitido. Se você for comigo, poderemos comprar o dobro do que normalmente eu trago e a gente divide os lucros. Sendo duas para vender, naturalmente vamos liquidar mais depressa e voltar logo a fazer novas compras. O lucro é ótimo. Posso garantir.
E foi assim que Débora tornou-se uma sacoleira.
Depois de algum tempo desligou-se da amiga e começou a fazer seus próprios negócios.
Seu objetivo era um dia abrir uma lojinha, e trabalhar legalizada, mas para isso precisava de algum dinheiro e, embora trabalhasse muito, viajasse freqüentemente, seu capital não aumentava com facilidade.
E foi então que ela conheceu o Miguel.
Miguel era um rapaz alegre e simpático que logo se tornou muito amigo dela e estava sempre sugerindo melhores negócios, dando dicas de melhores locais para comprar, etc.
Débora admirava-o muito. Parecia uma pessoa super-vitoriosa na vida.
Quando ele disse pela primeira vez que o "quente" mesmo eram as mercadorias proibidas, anticoncepcionais e drogas ela ficou escandalizada.
Não! Ela nunca faria isso.
Mas, alguns dias depois Miguel voltou ao assunto. Contou-lhe quanto ganhava e Débora ficou deslumbrada.
Ela já estava muito cansada. Fazia a viagem longa e desconfortável duas vezes por semana e, os dias que ficava em casa tinha que correr atrás dos fregueses, fazer as vendas, receber os pagamentos, cobrar as prestações e levantar o dinheiro para a próxima compra.
E o Miguel insistia:
- Todo mundo está fazendo isso. Ou você acha que fazem uma viagem dessas só pra comprar relógios, perfumes e brinquedos.
E Débora sentiu-se meio boboca, apegando-se a uma moral da qual todo mundo já tinha abdicado.
- Mas isso é muito perigoso. Todo dia ouve-se contar de gente que foi presa por tráfico.
- Que nada! A polícia não pega mais do que um por cento e mesmo que pegue a maioria dos policiais aceitam uma gorjeta para fazer olho gordo. O máximo que pode acontecer é a gente perder a mercadoria, mas, paciência! Ossos do ofício. O que a gente ganha dá para compensar isso e muito mais.
Miguel era tão seguro, tão convincente que Débora reconsiderou todos os seus princípios e acabou admitindo a possibilidade de entrar para esse lucrativo comércio.
- Mas como é que eu vou fazer isso? Como vou comprar? Para quem vou vender?
- Para começar eu vou ajudá-la. Eu deixo a mercadoria com você e mando os fregueses. Você ganha o lucro daquilo que vender. Depois, aos poucos você vai fazendo sua própria freguesia.
Débora ainda ficou apreensiva, mas o Miguel inspirava-lhe confiança. Era esperto e ela acreditava que não ia jogá-la na fogueira.
Se caso acontecer alguma coisa, você liga pra mim que imediatamente eu vou resolver. Não precisa ter medo.
E Débora acabou concordando de levar para sua casa uma porção de caixas fechadas, identificadas por código e que ela nem sabia ao certo o que continham.
O serviço era muito mais fácil do que Débora imaginara.
Os fregueses chegavam e levavam as caixas pagando importâncias elevadas por elas. O Miguel era uma espécie de atacadista que distribuía a mercadoria para pequenos vendedores.
Com o tempo Débora foi acostumando com o lucro fácil e ignorando o perigo que estava correndo, Qualquer coisa o Miguel resolvia. Afinal ele fazia isso há anos e nunca se dera mal.
Mas um dia aconteceu o inevitável. A polícia chegou a sua casa e pegou-a em flagrante.
Débora foi presa. Em vão tentou comunicar-se com o Miguel. Só então se deu conta de que nem o seu nome completo ela sabia e tudo o que tinha dele era um numero de celular com o qual eles se comunicavam.
Ligou, conforme ele tinha orientado a fazer, mas ele disse que já estava indo e não apareceu.
Quando tentou ligar novamente o telefone estava desligado e ela nunca mais soube dele
Débora foi condenada e presa.
No presídio começou para ela uma vida de sofrimento e remorso.
Por que fora ceder a tentação do lucro fácil?
Podia muito bem continuar vendendo suas miudezas e sonhando com a loja que certamente ela poderia ter um dia.
Fora muito ingênua em acreditar no Miguel. Ele parecia tão bom! Tão interessado em ajudá-la!
Esses pensamentos não a deixavam por um instante. Eram como um pano de fundo para a sua vida, agora, sem objetivos nem futuro.
Olhava o céu "que cobre os bons e os maus" e acreditava que Deus a tivesse abandonado a mercê de seus erros.
Mas um dia ela conheceu a Mirtes.
Mirtes era assistente social e fazia um trabalho voluntário no presídio feminino. Conversava com as presas e procurava interessá-las em algum tipo de trabalho manual. Oferecia-lhes livros edificantes para lerem e cadernos e canetas para escreverem o que quisessem.
A maioria das presidiárias não era recuperável a curto prazo. Não se interessavam pela conversa da Mirtes e tudo que queriam era sair logo dali para continuar suas atividades criminosas.
Débora era diferente. Fora mais ingênua do que culpada, se deixara prender nas garras da ambição e acabara mal.
Estava profundamente arrependida e disposta a começar uma vida honesta quando saísse dali.
Não tinha dúvida de que isso ia ser muito difícil. Se antes já não era fácil encontrar trabalho, imagine agora! Uma presidiária! Esta é uma pecha da qual ela sabia que nunca ia se livrar.
Mirtes se compadeceu dela e dispôs-se a ajudá-la.
Débora gostava de escrever e na primeira semana encheu o seu caderno de contos inspirados na vida das mulheres na prisão.
Quando Mirtes voltou no sábado seguinte ela mostrou-lhe e ela gostou muito. Prometeu que ia levar para ver se conseguia publicá-los. Deixou com a Débora outro caderno para ela continuar escrevendo.
A partir de então a vida da Débora tornou-se mais suportável.
Mirtes levava seus contos e trazia para ela digitados para que ela fosse guardando e animava-a cada vez mais a produzir o melhor que pudesse para, talvez, publicar um livro depois.
Foi graças a Mirtes que conseguiu que uma editora se interessasse pela publicação, o livro da Débora,” AS GARRAS DA AMBIÇÂO" já estava nas livrarias quando, finalmente, ela terminou sua pena e foi libertada.
- E agora, perguntou Débora a Mirtes quando ela veio visitá-la pela última vez na prisão, que