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Publicado: Segunda-feira, 5 de abril de 2010

As garras da ambição

Débora estava, já há algum tempo, desempregada.

Estava chegando às raias do desespero com as economias zeradas e as contas acumulando-se.

Foi então que sua amiga, Anita, que vendia produtos trazidos do Paraguai, a convidou para trabalhar com ela.

Débora ficou indecisa:

- Eu acho perigoso...

- Não há perigo algum, desde que a gente compre dentro do limite permitido. Se você for comigo, poderemos comprar o dobro do que normalmente eu trago e a gente divide os lucros. Sendo duas para vender, naturalmente vamos liquidar mais depressa e voltar logo a fazer novas compras. O lucro é ótimo. Posso garantir.

E foi assim que Débora tornou-se uma sacoleira.

Depois de algum tempo desligou-se da amiga e começou a fazer seus próprios negócios.
Seu objetivo era um dia abrir uma lojinha, e trabalhar legalizada, mas para isso precisava de algum dinheiro e, embora trabalhasse muito, viajasse freqüentemente, seu capital não aumentava com facilidade.

E foi então que ela conheceu o Miguel.

Miguel era um rapaz alegre e simpático que logo se tornou muito amigo dela e estava sempre sugerindo melhores negócios, dando dicas de melhores locais para comprar, etc.

Débora admirava-o muito. Parecia uma pessoa super-vitoriosa na vida.

Quando ele disse pela primeira vez que o "quente" mesmo eram as mercadorias proibidas, anticoncepcionais e drogas ela ficou escandalizada.

Não! Ela nunca faria isso.

Mas, alguns dias depois Miguel voltou ao assunto. Contou-lhe quanto ganhava e Débora ficou deslumbrada.

Ela já estava muito cansada. Fazia a viagem longa e desconfortável duas vezes por semana e, os dias que ficava em casa tinha que correr atrás dos fregueses, fazer as vendas, receber os pagamentos, cobrar as prestações e levantar o dinheiro para a próxima compra.

E o Miguel insistia:

- Todo mundo está fazendo isso. Ou você acha que fazem uma viagem dessas só pra comprar relógios, perfumes e brinquedos.

E Débora sentiu-se meio boboca, apegando-se a uma moral da qual todo mundo já tinha abdicado.

- Mas isso é muito perigoso. Todo dia ouve-se contar de gente que foi presa por tráfico.

- Que nada! A polícia não pega mais do que um por cento e mesmo que pegue a maioria dos policiais aceitam uma gorjeta para fazer olho gordo. O máximo que pode acontecer é a gente perder a mercadoria, mas, paciência! Ossos do ofício. O que a gente ganha dá para compensar isso e muito mais.

Miguel era tão seguro, tão convincente que Débora reconsiderou todos os seus princípios e acabou admitindo a possibilidade de entrar para esse lucrativo comércio.

- Mas como é que eu vou fazer isso? Como vou comprar? Para quem vou vender?

- Para começar eu vou ajudá-la. Eu deixo a mercadoria com você e mando os fregueses. Você ganha o lucro daquilo que vender. Depois, aos poucos você vai fazendo sua própria freguesia.

Débora ainda ficou apreensiva, mas o Miguel inspirava-lhe confiança. Era esperto e ela acreditava que não ia jogá-la na fogueira.

Se caso acontecer alguma coisa, você liga pra mim que imediatamente eu vou resolver. Não precisa ter medo.

E Débora acabou concordando de levar para sua casa uma porção de caixas fechadas, identificadas por código e que ela nem sabia ao certo o que continham.

O serviço era muito mais fácil do que Débora imaginara.

Os fregueses chegavam e levavam as caixas pagando importâncias elevadas por elas. O Miguel era uma espécie de atacadista que distribuía a mercadoria para pequenos vendedores.

Com o tempo Débora foi acostumando com o lucro fácil e ignorando o perigo que estava correndo, Qualquer coisa o Miguel resolvia. Afinal ele fazia isso há anos e nunca se dera mal.

Mas um dia aconteceu o inevitável. A polícia chegou a sua casa e pegou-a em flagrante.

Débora foi presa. Em vão tentou comunicar-se com o Miguel. Só então se deu conta de que nem o seu nome completo ela sabia e tudo o que tinha dele era um numero de celular com o qual eles se comunicavam.

Ligou, conforme ele tinha orientado a fazer, mas ele disse que já estava indo e não apareceu.

Quando tentou ligar novamente o telefone estava desligado e ela nunca mais soube dele

Débora foi condenada e presa.

No presídio começou para ela uma vida de sofrimento e remorso.

Por que fora ceder a tentação do lucro fácil?

Podia muito bem continuar vendendo suas miudezas e sonhando com a loja que certamente ela poderia ter um dia.

Fora muito ingênua em acreditar no Miguel. Ele parecia tão bom! Tão interessado em ajudá-la!

Esses pensamentos não a deixavam por um instante. Eram como um pano de fundo para a sua vida, agora, sem objetivos nem futuro.

Olhava o céu "que cobre os bons e os maus" e acreditava que Deus a tivesse abandonado a mercê de seus erros.

Mas um dia ela conheceu a Mirtes.

Mirtes era assistente social e fazia um trabalho voluntário no presídio feminino. Conversava com as presas e procurava interessá-las em algum tipo de trabalho manual. Oferecia-lhes livros edificantes para lerem e cadernos e canetas para escreverem o que quisessem.

A maioria das presidiárias não era recuperável a curto prazo. Não se interessavam pela conversa da Mirtes e tudo que queriam era sair logo dali para continuar suas atividades criminosas.

Débora era diferente. Fora mais ingênua do que culpada, se deixara prender nas garras da ambição e acabara mal.

Estava profundamente arrependida e disposta a começar uma vida honesta quando saísse dali.

Não tinha dúvida de que isso ia ser muito difícil. Se antes já não era fácil encontrar trabalho, imagine agora! Uma presidiária! Esta é uma pecha da qual ela sabia que nunca ia se livrar.

Mirtes se compadeceu dela e dispôs-se a ajudá-la.

Débora gostava de escrever e na primeira semana encheu o seu caderno de contos inspirados na vida das mulheres na prisão.

Quando Mirtes voltou no sábado seguinte ela mostrou-lhe e ela gostou muito. Prometeu que ia levar para ver se conseguia publicá-los. Deixou com a Débora outro caderno para ela continuar escrevendo.

A partir de então a vida da Débora tornou-se mais suportável.

Mirtes levava seus contos e trazia para ela digitados para que ela fosse guardando e animava-a cada vez mais a produzir o melhor que pudesse para, talvez, publicar um livro depois.

Foi graças a Mirtes que conseguiu que uma editora se interessasse pela publicação, o livro da Débora,” AS GARRAS DA AMBIÇÂO" já estava nas livrarias quando, finalmente, ela terminou sua pena e foi libertada.

- E agora, perguntou Débora a Mirtes quando ela veio visitá-la pela última vez na prisão, que

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