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Publicado: Segunda-feira, 30 de julho de 2007

As irmãs de leite

Graziela e Malvina tinham a mesma idade. Graziela era a filhinha branca da Sinhá e Malvina, filha da escrava Sebastiana, ama de leite da Graziela. Sebastiana amamentou e cuidou das duas meninas e elas cresceram juntas, muito unidas e muito amigas. Malvina era mestiça, muito bonita e quando ficou mocinha começou a ser cobiçada por ricaços que a queriam para concubina e ofereciam por ela um alto preço. Mas ela era muito estimada e o Sinhô não a venderia por nenhum dinheiro. Quando Graziela casou-se com Otaviano, o pai deu-lhe a escrava de presente e assim as duas continuaram juntas. Malvina era agora a mucama de Graziela e a servia com muita dedicação. Otaviano, porém, não entendia como a esposa podia tratar uma escrava com tanta intimidade. Os dois discutiram muitas vezes por causa dela e Otaviano disse que ia pô-la a venda. Graziela ficou desesperada e desacatou o marido, coisa que, na época, as mulheres não se atreviam a fazer:
- Você não pode fazer isso. Ela é minha, não é sua.
- Como não? Esquece que somos casados com comunhão de bens?
- Você sabe que somos muito amigas. Ela não é uma simples escrava para mim.
- Outro motivo para que a venda. Nunca apreciei sua intimidade com essa negrinha. Escravo é simplesmente escravo.
- Ela é minha irmã de leite!
Otaviano deu uma gargalhada:
- Irmã de leite! Essa é boa! Quer dizer que se tivesse tomado leite de vaca o bezerro seria seu irmão de leite?
Graziela já chorando gritou:
- A abolição vem ai! Eu ainda quero ver os escravos rindo da sua cara!
Otaviano ficou furioso e mais do que nunca determinado a negociar a Malvina. Alguns dias depois comunicou a Graziela que já tinha um comprador. Um fazendeiro muito rico que ficara viúvo e queria uma companhia até que se casasse novamente.
Graziela ainda gritou:
- Você é um monstro! Não tem direito de vender a escrava que ganhei de meu pai! Mas, o Coronel Joviano veio buscá-la e Graziela não pode fazer nada para impedir. Passada a crise, Otaviano empenhou-se em agradar Graziela. Comprou-lhe outra mucama e cumulou-a de mimos. Graziela acabou perdoando. As mulheres de então eram muito submissas aos maridos e ela, no fundo, achava que ele tinha direito de fazer o que fez. Para ele Malvina era apenas uma escrava que podia ser negociada sem problema. Ele não podia compreender os seus sentimentos Era a cultura da época à qual Graziela estava acostumada. E mais algum tempo se passou. Graziela nunca mais soube de Malvina. Quando a abolição foi assinada, Otaviano já estava muito doente, desenganado pelos médicos e a notícia abalou-o apressando o desenlace. Graziela sentiu muito a perda do Otaviano. Ele fora, de um modo geral, um bom marido. A única mágoa foi à venda da Malvina que ela não conseguia esquecer, mas sabia que ele não podia compreender seu apego por uma escrava, pensara que fosse só um capricho e que ela a esqueceria logo. O importante agora era que Malvina estava livre, não era mais uma propriedade do Coronel Joviano! Algum tempo depois, Graziela foi atender à porta e teve uma surpresa. Malvina estava ali, bonita, sorridente, irradiando felicidade.
- Oh! Que surpresa! Não acredito que é você mesma que está aqui.
- Há muito tempo eu queria ter vindo, mas não foi possível.
- Fiquei feliz por você quando veio a abolição.
- Mas eu já estava livre há muito tempo.
- Como assim? Conte tudo! Eu fiquei tão preocupada com você. Com medo que a maltratassem.
- Nada disso! O Coronel Joviano é boníssimo e sempre me tratou muito bem. Quando se casou, deu-me a carta de alforria, algum dinheiro e arranjou um emprego para mim. Sorriu com uma ponta de malícia:
- A mulher dele não me queria por perto...
- E daí?
- Fui trabalhar na cidade, assalariada, e vou me casar daqui a dois meses. Sei que sou suspeita para falar, mas meu noivo é maravilhoso!
- Que bom! E Graziela sentiu o coração mais leve. Malvina acabara encontrando a sua felicidade.
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