Publicado: Quinta-feira, 21 de dezembro de 2006
Beija-Flor acorrentado
É triste imaginar um beija-flor acorrentado. Privá-lo de fazer o que sua natureza lhe pede é como pedir para uma semente não nascer.
O beija-flor nasceu pra ser livre. Suas asas inquietas colorem o ar com tons brilhantes, que encantam qualquer um que se disponha a admirar suas coreografias desenhadas no céu. O beija-flor, considerado o menor pássaro do mundo, vive adoçando o dia com mel, ventando beleza de flor em flor. Esse pequeno e veloz alado é capaz de fazer acrobacias estonteantes, com agilidade e graça. Suas asas são invisíveis de tão rápidas, permitindo grandes façanhas. Por isso, é considerado campeão de vôo. Outro dia eu li que alguns colibris são comparados a pedras preciosas, como rubi, safira ou esmeralda; outros têm nomes de contos de fada; e há ainda aqueles que lembram corpos celestes, cometas ou raio de sol.
Imagine, então, um beija-flor acorrentado! Que tristeza!
Para mim, a alma é como um beija-flor. Ela precisa realizar o seu vôo, expressar sua beleza, reluzir suas cores. Toda alma é por natureza livre, curiosa, brilhante e solta. No entanto, é comum nos esquecermos disso. Vamos acorrentando nossos vôos, paralisando a leveza, abafando os sons, apagando o brilho. Esquecemos do nosso doce beija-flor.
Não é assim tão simples como parece, porque esse processo é lento. Em nome de muitas coisas, aprendemos a calar o sonho para dar certo na vida. As grades se disfarçam de metas, as jaulas se vestem de verniz e pesadas correntes aparentam cetim. O relógio vira o “ser” mais importante de nossa vida. A agenda, nossa companheira de cabeceira (e muitas vezes, de sonhos). O celular, o amigo que acompanha nas horas próprias e impróprias. A TV, a dona da casa, ditando o que devemos querer. O dinheiro, a desculpa para acordar de manhã. Os relacionamentos, tão descartáveis quanto as notícias ou personagens de novela.
Acumulamos responsabilidades, compromissos, afazeres. Acumulamos deveres, culpas, promessas. Repetimos padrões aprendidos com nossos ancestrais, levando à frente a bandeira da nossa pátria, marchando a dureza da nossa existência. E a vida passa a ser uma sucessão de dias mal vividos, noites mal dormidas e sabores não experimentados.
O tempo escorre pelos dedos.
A leveza vai embora.
O sonho já nem se lembra mais que existiu.
Não há beija-flor que resista.
Que esta época, propícia para reflexões, promessas e mudanças, acorde o beija-flor que habita dentro de cada um de nós. Que traga a poesia dos mares, a música dos pássaros, a arte do encontro. Que ventile aromas, amplie espaços e rasgue receitas. Que quebre muralhas, afunde pedras e solte pipas. Que pinte flores, desenhe pontes e plante esperança.
Porque a vida é urgente e o nosso beija-flor precisa voar.
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