Bonecões da Barra: patrimônio da cultura saltense
Os Bonecões da Barra: um patrimônio da cultura saltense
Artigo publicado no livro: Salto, porque me encanta? Historias imperdíveis sobre a terra de Tavares. Capa de Alba Milioni. Salto, Mirarte, 2016. ISBN 798-85-63448-74-3
Zequini, Anicleide. Bonecões da Barra: um patrimônio da cultura saltense pp. 22- 27
O livro está disponível para dowload em: http://www.asle.net.br/wp-content/uploads/2015/10/Salto_por_que_me_encanta-final.pdf
Este artigo procurou resgatar, por meio de entrevistas e pesquisa documental principalmente em artigos de jornais, o saber fazer de um dos artesanatos mais populares do Carnaval Saltense, , figuras humanas gigantes, que por terem sua origem no interior da Vila Operária da Barra, ficaram conhecidos como os Boneções da Barra. Confeccionados com arame, tiras de bambu e de papel de jornal, tiveram sua origem provavelmente, nos anos de 1950, quando o seu criador o carpinteiro e marceneiro Alvaro Ribeiro, passou a residir na cidade de Salto, SP.
Em abril de 1912 a fábrica de tecidos Società per l’Esportazione e per l’Industria Italo- Americana encaminhou ao Presidente da Câmara Municipal de Salto Luiz da Silva Leite um oficio solicitando a abertura de ruas em um terreno de sua propriedade, situado nas margens dos Rios Tietê e Jundiaí, para a construção de 30 casas destinadas a moradia de seus operários. Em 1919, com a venda da Ítalo-Americana, todas as propriedades, incluindo esta vila de casas operárias, passaram para a fábrica Brasital S/A.
É no interior destas Casas da Barra, como ficou conhecida esta Vila Operária, convívio dos operários, que surgiu uma das mais importantes manifestações da cultura popular saltense, os dos Bonecões da Barra, uma alegoria carnavalesca construída com bambu, arame e tiras de papel de jornal, em meados dos anos de 1950, por um dos moradores daquela Vila, o Sr. Álvaro Ribeiro.
Os carnavais de Salto sempre estiveram concentrados nos bailes dos antigos salões dos cines-teatro São Bento, Verdi e Clube Ideal. Em 1938, os bailes foram animados com as últimas modinhas da época como A jardineira, sucesso na voz de Orlando Silva; Miau...Miau, com Aracy de Almeida; Florisbela, com Silvio Caldas; e Tirolesa, com Dircinha Batista que, segundo o jornal saltense O Povo, andavam “por aí gritadas pelos rádios e guélas” e, por todos os cantos, ouviam-se “suspiros de camélia”, uma referencia a modinha jardineira.
Em 1951, o carnaval de rua foi mais animado! Possivelmente foi nesta década que começam a aparecer às alegorias que ficaram marcadas na memória da população local, como o boizinho e o Bonecão da Barra. No conturbado ano político de 1954, quando o operariado estava discutindo o salário mínimo, o carnaval de rua saltense segundo a coluna “Ser Saltense” do Jornal O Liberal foi original, possivelmente, pela presença do Bloco da Barra e de um outro bloco sem denominação os “ sem bairro fixo, contendo componentes dos vários bairros da cidade.
Quanto ao Bloco da Barra, afirmava o Jornal O Liberal de 07 de março de 1954, que “além da originalidade das figuras” coisa que há muito não se via em Salto, como os boizinhos, índios, a “gaiolinha” de transporte, patos e outras caracterizações individuais, notou-se a presença do que denominaram de Gigantes. Mas, a grande atração mesmo foi a mensagem que traziam no seu estandarte: “Muita Paz nos entendimentos do salário” , que expressavam, “ o pensamento dos operários saltenses”.
Os Gigantes a que se refere o artigo poderiam ser o que, posteriormente, ficaram conhecidos como os Bonecões da Barra, criados por Álvaro Ribeiro. Lembranças da Sra. Claudete, filha de Álvaro Ribeiro, apontam as primeiras décadas de 1950 como sendo a data da vinda de sua família para a cidade de Salto, data que coincide com a primeira notícia encontrada no jornal saltense sobre a participação do Bloco da Barra.
O Sr. Álvaro trabalhou primeiramente como vendedor depois, como operário da Brasital e, por último, montou uma oficina de carpintaria e marcenaria vizinha a Vila Operária da Barra, em frente ao Rio Jundiaí. Foi neste local, junto com o Sr. Pedro Alves, também conhecido como Pedro Cascudo dado a sua habilidade como pescador, que organizaram o Bloco da Barra.
Um dos grandes animadores do Bloco da Barra e, que mereceu destaque do jornal O Liberal de 1961, foi o Sr. Sansão Pereira, um “entusiasta folião”. Segundo lembranças de sua neta Mônica, o Sr. Sansão e, grande parte da sua família como um seu irmão e filho, sempre participaram do Bloco que, segundo o Sr. Valdir Alves eram organizados e custeados com os recursos arrecadados pelos moradores da Vila Operária através de rifas, festas e organização de livro de ouro para doações em dinheiro que era passado nas casas de comércio da cidade. Destacam-se também, a presença dos Srs. Vicente Girardi e Wilson Cazzamatta na organização do Bloco.
Mas, foi na oficina e com o Sr Álvaro Ribeiro, que mexia com madeira, que tudo começou. O interessante é que ele utilizava materiais existentes no local para a construção do Bonecão. Assim, de um bambuzal existente uma chácara de propriedade de Romeu Somossa Cortez, nas imediações do Bar da Ponte, as crianças da Barra iam buscar Bambu, matéria prima para a armação do corpo do Bonecão. Mas, segundo sua filha Claudete, Álvaro construiu muitas outras atrações, entre elas, o boizinho, a cartola, cavalinho e uma carruagem para o Rei Momo e sua corte. Era também neste local, segundo o Sr. Valdir Alves, filho de Pedro Alves, que se guardavam as alegorias, feitas artesanalmente.
A armação do corpo do Boneção, segundo o Sr. Valdir Alves, era feito apenas com dois materiais: Bambu e arame. Os Bambus, após serem retirados do Bambuzal, eram levados até a oficina do Sr. Álvaro que o transformava, por meio de uma serra de marcenaria, em tiras bem finas, pois quanto mais finas as tiras de bambu, mais leve ficaria o Bonecão. Feitas as tiras, começava-se a armação do corpo, fazendo-se as argolas – que iriam dar o tamanho da circunferência do Bonecão, as tiras nas transversais amarradas com arame, davam a sustentação vertical para o corpo, deixando-se sempre na parte superior do corpo, um espaço para o encaixe da cabeça.
Feita a armação do corpo, costurava-se a roupa que era como disse o Sr. Valdir Alves “a vestimenta do Bonecão”, ou seja, o que dava a alegoria uma identidade, pois poderia ser uma roupa de mulher ou de homem. Os tecidos eram comprados na fábrica Brasital pelos próprios operários que, por serem funcionários conseguiam um preço melhor. Mas, a costura ficava por conta das mulheres. Conta Claudete Ribeiro, que os tecidos para as roupas do Bonecão, por serem gigantes, eram geralmente estendidas e cortadas na calçada e, então se tornavam uma atração à parte.
A cabeça do Bonecão era feita, segundo o Sr. Valdir Alves com uma armação feita com arame. Provavelmente, por ser um material flexível, o arame foi o material escolhido para dar a forma do rosto, nariz e orelhas. Depois de feita a armação em arame e moldada a cabeça, a mesma era revestida com tiras de papel de jornal. O Sr. Valdir e outras crianças ajudavam no corte das tiras de papel, pois tinham a habilidade adquiridas pela prática de fazer “papagaios” ou “pipas”.
Depois de cortadas as tiras de papel de jornal era a vez de passar a cola de trigo, feita com água e farinha de trigo. Mas a técnica não era tão simples, após passar a cola nas tiras com um pincel, as mesmas eram coladas em camadas sobre o arame. Para acrescentar uma nova camada de tiras com cola de trigo era necessário a secagem da anterior e, assim sucessivamente até o momento em que o Sr. Álvaro dava o sinal, indicando o final do trabalho. O interessante é que estas cabeças eram secadas ao sol, em cima de um muro em frente a oficina. Após este trabalho, as cabeças eram recolhidas para a oficina e ali pintadas, o rosto, olhos, orelha, boca e os cabelos, utilizando-se para isso, tintas que pudessem resistir a chuvas. Os braços eram feitos de tecido e recheados com palha, espumas já usadas ou sobras de colchões e amarrados ao corpo do bonecão. As mãos, em forma de luvas, eram recheadas com algodão ou palha.
Os primeiros Bonecões não se pareciam com nenhuma pessoa em especial. Como diz a Sra. Mônica Pereira Martins, “o Bonecão não tinha personagem como hoje”, eles eram a “criação da invenção deles”, ou seja, pintavam um rosto engraçado ou então, outro rosto que pudesse provocar alguma reação na criançada. Os Bonecões, depois de desfilarem no carnaval, eram guardados pendurados na marcenaria do Sr. Álvaro, que os reformava e dava outras feições para que pudessem participar do próximo carnaval.
Conta-nos o Sr. Valdir Alves, queo Bloco da Barra com os Bonecões saíam da Vila Operária e percorriam as ruas da cidade sem um trajeto pré determinado. Mas, o que não deixavam de fazer e, sempre a pedidos dos operários, era esperar a saída mesmos no portão da Brasital as 10 horas da noite. Diziam eles: “ vai buscar nós lá na fábrica”!. Mas não era apenas no carnaval que estes Bonecões se apresentavam. Dado o sucesso que sempre fizeram com crianças e adultos, eles também eram convidados para participar de outros encontros, como em comícios que aconteciam por ocasião de campanhas políticas.
Após o falecimento do Sr. Alvaro Ribeiro, um de seus filhos, o Sr. Francisco Ribeiro, conhecido como “Tico Boca”, passou a confeccionar os personagens do Bloco da Barra, como o boisinho e também, o Bonecão da Barra, empregando para isso, a mesma técnica de seu pai Álvaro Ribeiro: bambu, arame e papel de jornal . Os dois últimos exemplares, deste Bonecão, construídos por Francisco Ribeiro, para o desfile do Bloco carnavalesco Unidos da Ultima Hora da cidade de Salto em 1990, foram doados para a exposição inaugural do Museu da Cidade de Salto, onde se encontram ainda em exposição.
Atualmente, os Bonecões não são mais confeccionados pelos moradores da Vila da Barra. A técnica original também não é mais empregada, mas continuam sendo a principal atração do Carnaval Saltense. Os Bonecões hoje têm feições que remetem a personalidades sendo, a maioria deles, sem nenhuma relação com a História do Carnaval Saltense, como foram o Sr. Sansão Pereira, e o criador do Bonecão, o Sr. Álvaro Ribeiro e o seu companheiro de trabalho, Sr. Pedro Alves.
Agradecimentos:
A Rose Mari Aparecida Ferrari que permitiu encontrar os descendentes das famílias do criador do Bonecão e organizadores do Bloco da Barra, para resgatar esta Historia; a Sra. Claudete Ribeiro, filha do Sr. Álvaro Ribeiro; O Sr. Valdir Alves e sua irmã Valdira Alves Zaccharias, filhos do Sr. Pedro Alves e a Sra. Mônica Pereira Martins, neta do Sr. Sansão Pereira; A Academia Saltense de Letras; Museu da Cidade de Salto; Rose Ferrari pela coordenação do projeto e editoração do livro.