Publicado: Quinta-feira, 4 de outubro de 2007
Caligrafia
A escrita manual resistiu muito tempo, mesmo com o advento da máquina de escrever. Esta surgiu lentamente. Desde as primitivas, de tecla única, que você movimentava de um lado para outro e só calcava, uma de cada vez, sobre a letra desejada. Além do que essa não teve a evolução igual a inventos modernos que, de novos hoje, se fazem vencidos amanhã. A máquina de escrever mudou bem devagar, a ponto de aquela dotada de eletricidade se constituir por muito tempo numa obra prima.
Com o advento da informática, essa fiel companheira virou relíquia. Hoje o linguajar é eminentemente técnico e privativo de poucos na sua interpretação: pc, software, HD, placa-mãe, desktop, del, web e mil outros que tais.
Bom lembrar, no entanto que o recurso virtual tão celebrado e útil, para não dizer indispensável, de qualquer modo nasce do toque dos dedos e por sobre um teclado, o mesmo recurso usado nas máquinas de escrever, agora tidas como velharia.
O tema, no entanto, hoje, é a escrita manual, a mesma que, para diletantismo, está sendo usada no rascunho desta crônica. De ordinário, as crônicas agora, são digitadas diretamente.
Não se esconde, entretanto, o prazer de apor a própria caligrafia ao papel, algumas vezes. Principalmente – como muito já se comentou aqui – quando em restaurantes ou em praças de alimentação, mesmo que se trate até de meras lanchonetes, ser utilizado o verso do papel que forra as bandejas e, na sua falta, guardanapos desdobrados. Estes, numerados seqüencialmente, por serem no geral pequenos. Agradável devaneio esse, confessadamente assumido, de deixar que crônicas surgidas ao léu e improvisadas, sejam criadas ali, ao sabor das idéias e das mais difusas inspirações. Fundem-se o mister de tecer a crônica com o prazer de tomar da caneta e exercitar a caligrafia. Agradável, deveras agradável, escrever de próprio punho.
É fora de dúvida, bem se sabe, que na hora de redigir crônicas ao improviso e rascunhadas a mão, também se reconhece e se concede o favorecimento da velocidade proporcionada por um teclado, o depositário virtual das velozes digitações. Pela digitação instantânea, o pensamento e a escrita seguem a cavaleiro um da outra. Enquanto que aqui, com temas grafados manualmente, o pensamento se adianta muito à escrita. Ele corre e ela anda. Algumas inspirações, nesse descompasso, talvez fiquem para trás, sem o aproveitamento, ao menos naquele instante.
Quem, dos mais vividos e de mais tempo, não sente prazer em vez por outra pegar da caneta? Escrever, por exemplo, a esmo. Momentos em que você se compraz ao recordar-se de sua própria caligrafia de tempos escolares.
Aquele que não se dá a esse recurso de retorno – mais um – aos hábitos bons e esquecidos, talvez até olvide seu estilo de escrita. Mesmo porque enquanto uns desfrutam de muita facilidade e tem letra muito bonita, outros , nem tanto. Sem faltar ainda quem, que de letra tão alterada, chegue a ponto de não se fazer entendido, numa carta ou num bilhete. Quantos, na verdade, não escrevem tão mal, que passam a idéia de usarem letra de médico, como se diz vulgarmente. Tente, de fato, adivinhar o nome de um remédio na receita. Tente.
Ocorre também perscrutar se as cartas românticas e bilhetes apaixonados de outrora não perderam o seu encanto, com o abandono gradativo do hábito de escrever. É bem possível.
Poderia parecer, ao cabo desta digressão, que a caligrafia seja carta fora do baralho. Não é não. Muitos a cultuam e para os aquinhoados de boa caligrafia, sem dúvida que apreciam escrever. Também pessoas, muitas, tanto se aprofundaram na escrita manual – os chamados calígrafos – que no cultivo dela encontraram uma veia profissional, a redundar até em programas e cursos, com institutos próprios, de aprimoramento da escrita. Não se pode prescindir de um calígrafo, no caso da criação de diplomas, pergaminhos, outorgas e coisas do gênero.
É nessa fase que a caligrafia se avantaja e se sublima, ao transpor-se do campo da mera escrita para o da verdadeira arte.
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