Carne exposta no BBB
Para a revolta de alguns e a satisfação de outros, o buraco da fechadura permitirá novas espiadinhas a partir desta terça-feira (8). O Big Brother Brasil atinge, em 2013, sua 13ª edição. Mesmo com a audiência sofrendo quedas significativas nas últimas duas edições, o programa ainda é um dos carros chefe da grade da rede Globo para o começo do ano. O sucesso de tantos episódios deste reality show cujo nome remete ao “Grande Irmão”, personagem do universo distópico criado por George Orwell em seu livro “1984”, suscita discussões calorosas tanto em mesas de bar quanto nos meios acadêmicos mais diversos, como o da psicologia e da comunicação. Mas o que uma casa com algumas pessoas interagindo em festas e brigando por um jogo traz de tão comovente ao espectador?
O formato de disputa por valores em dinheiro e a possibilidade de se assistir ao espetáculo a qualquer instante do dia (instigando o voyeurismo nas pessoas) são fatores que tornam o formato reality show praticável em todo o mundo, deixando de lado a perspectiva de que tal fenômeno ocorre apenas no Brasil, como alguns costumam enfatizar. O jornalista Eduardo Valente, em artigo publicado para a revista Cinética, salienta alguns aspectos determinantes para atingir o público do programa: “parece-me um tour de force de realização audiovisual. Para mim é impressionante pensar no trabalho envolvido no acompanhamento de 40 câmeras e outros tantos microfones, buscando criar uma dramaturgia que simplesmente nunca para de ser escrita.”
O comunicador reforça que, neste jogo, quanto mais os participantes tentam “atuar”, mais confundem a si mesmos: “há personagens-autores, personagens-atores, personagens-personagens e personagens-pessoas”. Afinal, nada como criar uma persona que estará à mercê das críticas de todo o Brasil, 24 horas por dia. O texto de Valente culmina em uma interpretação de um documentário americano de Frederick Wiseman, que rebate a ideia de que os participantes do Big Brother são falsos e criam imagens ilusórias de sua personalidade: “cada pessoa só pode interpretar papéis a partir do seu próprio entendimento do mundo e de seus valores. Por isso, mesmo se ela decide inventar um outro eu, este eu autoconstruído será tão mais revelador do que esta pessoa representa”.
A percepção do psicanalista Marion Minerbo é, talvez, mais pragmática: “a graça toda consiste em não sabermos ao certo quanto de representação e quanto de realidade há naquilo tudo”. Os participantes são escolhidos a dedo pela produção do programa, fato que inicial que já deforma qualquer perspectiva de verdade pura. Afinal, estes são escolhidos por suas características físicas ou identificação com determinada parcela da população.
Minerbo faz uma comparação do BBB com o histórico espetáculo romano do Coliseu, onde homens lutavam até a morte pelo entretenimento do povo. O que os mantinha entretidos é exatamente a mesma “carne humana exposta” que o reality show nos traz nos dias atuais: sem a prodigiosa habilidade em atuar, o que sobra é o corpo do participante e sua suscetibilidade a cometer deslizes, dizer bobagens e extrair do público o desejo insano de proferir ofensas à sua dita “mediocridade”.
Diferentes perspectivas refletem, ao menos em partes, o sucesso da trama televisiva que envolve fantasia e realidade. Como objeto de entretenimento e distração de seu público, não se distancia do que é já é trazido e difundido por telenovelas, por exemplo. Cabe ao espectador discernir aquilo que mais lhe agrada diante de tantos produtos que buscam ocupar sua mente nas horas vagas e refletir antes de bradar críticas ao “ode à futilidade” que tanto se aponta. Afinal, tão “pão e circo” quanto qualquer reality show é o futebol, o livro de fantasia ou mesmo aquele seriado que tanto aguardamos pela nova temporada.