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Publicado: Terça-feira, 30 de março de 2010

Carta pro Armando

Carta pro Armando

Quando soube da morte do Armando Nogueira, lembrei que já tinha escrito uma carta endereçada a ele. E ele leu. E ele respondeu. Achei minha carta. Agora não é mais pro Armando e prá vocês.

 

São Paulo, 29 de janeiro de 1997.

 

Caro Sr. Armando Nogueira,

 

Sou seu fã.

É com imenso deleite que, na cozinha, em voz alta, leio  para minha esposa as suas crônicas do Estadão. Espero, com sua ajuda, seduzi-la pelo futebol. Bem... isso é outra estória.

O que me faz um seu fã é que encontro nas suas palavras respaldo às minhas idéias sobre futebol. Meus amigos me dizem radical, meu pai me diagnostica sonhador, e vai mais longe: “palhaço das perdidas ilusões”, e mais do que isso, o futebol ele próprio, desmente reiteradamente as minhas predições. Tanto maldisse aquele time do Parreira que, em nome da coerência, comemorei o tetra escondido.

Então, ao abrir um jornal respeitado e ler a opinião de um jornalista igualmente respeitado, e constatar que, ou eu não sou insano, ou se sou, não estou só, antes muitíssimo bem acompanhado, fico aliviado e sonho vaidoso em ser um desses injustiçados pelo seu tempo, como Galileu ou Van Gogh.

Defendo a cartesiana  tese segundo a qual o país onde reina o moleque   “dez vira, vinte acaba”  e, onde quem joga na defesa ou no gol são sempre os gordinhos, os japoneses e os irmãos mais novos, não pode ser um país onde se privilegie a marcação ou a dupla de volantes pegadores.

No reino de Dioniso o camisa 10 não pode ser Tanatus!

Meu amigo, se me permite a intimidade, o que me deixa realmente enfurecido é esse nosso pendor para sermos os colonizados  voluntários. Didaticamente argumentam : O mundo joga assim! Os principais clubes do mundo jogam assim! É a tendência do futebol moderno! Ir contra essa tendência é romantismo.

É. Só que por essas terras faz calor! O mundo joga na defesa, com dois volantes leão de chácara e de olho no regulamento por que é o que lhes é permitido pela natureza. Mas aqui, por essas bandas verde-amarelas os craques jorram aos borbotões.

Divaguemos: Estamos num mundo hipotético onde não existe comunicação entre os países, só se conhece o futebol nacional. Quem falaria em jogar com dois volantes? Quem falaria em “primeiro não perder”? Aqui no Brasil, ninguém. Não  conseguiríamos imaginar um futebol tão pobre em criatividade, tão mesquinho, covarde, abstêmio, ascético. O brasileiro não tolera a falta de sensualidade.

Eu fico me perguntando cismado se um Edilson, um Palhinha, um Paulo Nunes, jogadores que dificilmente jogarão uma Copa do mundo pelo Brasil, se fossem estrangeiros, não seriam considerados craques pelos seus hipotéticos compatriotas.

Afinal, em terra de cego quem tem um olho é rei.

Resolvi escrever-lhe quando assisti a uma sua entrevista na qual falava que a seleção de 82 não poderia jogar na defesa e, que só perdemos por que a Itália deu muita sorte e o Brasil muito azar. Pensei: esse homem vai me entender! Tem que me entender, afinal eu vejo com os olhos dele...

Por favor, diga-me se me acompanha ou se de agora em diante estarei mesmo só. Penso num time pra 98 que mande as favas essa estória de dois volantes, de time de pegada e toda essa balela Zagalo-Parreirística, plagiando o velho Odorico Paraguaçu.

Então lá vai: Veloso, Cafu, Aldair, Marcio Santos e Roberto Carlos. Zé Elias, Leonardo e Djalminha(diminutivo inquietante). Muller, Ronaldinho e Romário.

Peço direito à defesa. Confesso que devo explicações.

Jogo só com um volante, e não é um desses que despacha a bola como quem espanta ladrão, então jogo com o Cafu que corre por dois, já tenho um lateral e outro volante, pronto, ponto.

Dupla de área: não faço questão absoluta desses nomes, poderiam ser outros. Antônio Carlos, Célio Silva... Menos Alexandre Lopes e Narciso!

Lateral esquerda:  parece-me tautológico falar em Roberto Carlos.

Meio-campo: Criatividade, tratos a bola, elegância, criação reiterada, contínua, surpreendente, inesgotável.

Muller: Proibido dar dois toques na bola. Criamos uma nova posição: Hermes, o mensageiro.

Ronaldinho e Romário, que também poderia ser Ronaldinho e Sávio, ou Ronaldinho e Edmundo, ou Ronaldinho e Bebeto, tanto faz, ou literalmente tantos fariam. Tantos e tão lindos.

Esse time não é pegador.

Esse time vai apresentar problemas defensivos.

Vai, mas quando ele estiver com a bola nos pés, e ela não vai sair com facilidade dos pés de um time desses, então nós vamos rir sozinhos, vamos nos acomodar no sofá a cada novo drible, vamos perder a conta das jogadas inesquecíveis. Vamos enfiar na cabeça de uma vez por todas, que de futebol a gente entende, que se tem uma coisa para a qual o brasileiro nasceu, essa coisa é o futebol. Por isso, nesse campo nós ditamos as regras. E que siga o nosso exemplo quem for capaz.

Argumento pragmático: pão-pão, queijo-queijo, se esse time tomar três ele faz cinco, se tomar dois, faz sete, e por aí vai.

O que? Futebol com tantos gols... Ah, isso é loucura! Vão dizer.

Permita-me um último suspiro e imagine esse time jogando num campeonato onde houvesse alguma forma de coerção da violência, como esse Rio-São Paulo com limite de faltas.

Meu amigo, já tomei a liberdade, você acha que eu sou um cretino?

 

Um abraço de seu admirador,

 

 

 

Luiz Fernando Bolognesi

 

 

 

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Lagoa. cep  22470-001

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