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Publicado: Quarta-feira, 20 de abril de 2011

Cartões sociais, memória perenizada

Para um domingo de Páscoa – condizente com o regosijo de que é tomada a Igreja – faz-se vir à coluna um relato de há muito acalentado e que ora se concretiza.

De propósito, passados anos, esperava-se que o texto viesse no momento adequado, sem sofreguidão. Amadureceram-se sem dúvida as palavras, ao acomodarem-se calmamente até virem aqui, agora, no seu todo.

Ao longo de várias décadas, sabe-se lá quantas, juntaram-se curiosamente alguns cartões sociais, trocados aleatoriamente, em contatos ligeiros durante percursos de viagem.

Não se nomearia de coincidência esses fatos, na constatação segura de que justamente por causa deles e outros acontecimentos fortuitos colhidos ao longo dos tempos, aprendeu-se que de rigor coincidências não existem. E por não serem premeditadas e se constituirem de surpresas, inesperadamente, é que se as classifica como de autênticas situações, numa ação clara de que existe mesmo é a providência.

Providência divina.

No intervalo de um fim de semana, de curso ministrado no Recife, decidiu-se aproveitá-lo para se conhecer, tão próxima, a amena João Pessoa, com ares perfeitos de aprazível e serena cidade do interior, capital no entanto. No ônibus, companheira do mesmo banco, uma senhora. Para quebra de silêncio, fizeram-se as recíprocas apresentações. Tratava-se da Irmã Terezinha Cavalcante de Jesus, uma religiosa totalmente dedicada aos pobres, no Povoado Santa Rosa do Ermírio, município de Poço Redondo, Sergipe. Firmou-se uma amizade perene, sem nenhum outro contato direto, perenizado porém o carinho mútuo, ainda que por indefectíveis saudações trocadas em todos os Natais.

Avião, de Viracopos a Brasília. Mais uma jornada a serviço do Banco do Brasil, em temporadas memoráveis para atuar na correção de provas de concursos. Senta-se a meu lado um senhor, ele à janela, a desentranhar papéis e fazer anotações. Mesmo sem existir indiscrição, ante evidências, ensejou-se a quebra do gelo através da pergunta, se seria ele um sacerdote. Apresentou-se como Monsenhor Pierre Primeau, de nacionalidade francesa, Assessor de Pastoral Familiar junto à CNBB. Daí a troca de impressões decorreu espontânea e cordial, inclusive com utilização de um mesmo táxi na chegada. Aprendera-se muito em pouco tempo, de fonte experiente e solícita.

Por falar em Brasília, noutra empreitada por convocação do Banco, aproveitou-se de uma folga para tentativa de visita à sede da CNBB, eis que após a missa havida em capela nos altos da livraria das Paulinas, no Conjunto Nacional, soube-se que o celebrante era o Monsenhor Arnaldo Beltrami. Hoje falecido, à época exercia na entidade o cargo de Assessor de Imprensa. Atendeu o reverendo Monsenhor, com calor e carinho, uma vez declinada a situação de humilde colaborador de jornal interiorano católico, perto de vir a ser centenário com mais alguns anos, a querida “A Federação”. Este visitante fora levado a todas as instalações do setor de comunicação. Destaque-se o privilégio de ter constatado a simplicidade daquele personagem, não obstante sua reconhecida cultura e marcante atuação na Igreja.

No vai e vem dos salões do aeroporto de Viracopos, no aguardo de viagem ao Nordeste, tem-se a visão de um senhor respeitável, vestido de preto e a caráter portanto, colarinho engomado, crucifixo exposto no peito. Já no avião, a surpresa de ver que tínha ele igual destino e com assento bem lado, separados apenas pela estreita passarela que divide as alas. Pela proximidade, foi possível estabelecer o que até ali seria início de conversa. Na verdade, satisfazia-se uma curiosidade. Seria ele um Bispo? Gentilmente, cavalheiro, a aparentar no máximo uns cinquenta anos, confirma. Bispo da Diocese de Recife da Igreja Anglicana no Brasil. Tratava-se de sua Excelência Reverendíssima, Dom Edward Robinson de B. Cavalcanti. As horas se passaram rapidamente. Inolvidável encontro. Frutuosa troca de impressões.

Aos vinte e quatro anos de casados, programado um périplo pelo Brasil para as Bodas de Prata, sugeriu-se à esposa, Flávia, porque não fazê-lo antecipadamente, tantas incertezas poderiam ocorrer no ano seguinte. Havia, para quem se lembre, uma passagem na VASP chamada de Brasil Palmo a Palmo. Direito de visitar todas as capitais, sem prévia marcação de datas, efetivada porém de uma só vez. Manaus e Fortaleza, obrigatórias, entre outras, uma vez que não haveria tempo para empreitada maior. Na volta, escala em Belém. Vista de cima, água e floresta a preponderar, um cenário de beleza estonteante, mentalmente se instalou promessa de um dia vir especialmente em visita à esplendorosa capital do Pará. A realização do sonho efetivou-se alguns anos depois, no primeiro logo após a aposentadoria. Vinte e dois dias de permanência na região e aqui relatadas, em crônicas semanais, as peripécias da feliz temporada. Sequer faltou um fim de semana na Ilha de Marajó. No navio, gigantesco, veículos acomodados às dezenas no compartimento inferior, uma infinidade  de cadeiras estofadas, justapostas no plano superior. O fato é que para os de fora, percorriam-se todos os cantos e laterais da embarcação. E não é que, de novo, crucifixo visível e pendente, este de tamanho acentuadamente grande, porta-o nada mais nada menos que um Bispo, italiano, titular de Diocese ou Prelazia, com quem também se trava demorada conversa. Evidentemente que se enumeram casos e ações usuais na Igreja, também com seus inevitáveis desencontros, porque afinal os protagonistas são seres humanos, falíveis. Ao colunista, só caberia mesmo aproveitar ao máximo dos relatos em tão exuberante oportunidade de conhecer fatos próprios a uma região de tão difícil atuação em qualquer área, as de cunho religioso inclusive. Outra realidade. A lamentar, tão somente, o descuido de, deste Prelado, não se lhe ter solicitado o cartão. As marcas, porém, estão vivas.

Em datas diferentes e diferenciadas as circunstâncias, ao reunir essas experiências, firmou-se a convicção não de uma coincidência mas, como se realçou lá atrás, de feliz e repetida providência, na proveitosa colheita de múltiplas impressões e de um imenso aprendizado com pessoas e amigos tão especialmente importantes, a despeito da simplicidade de todos eles.

Em resumo, uma constante nessas oportunidades, a de uma conotação óbvia  de palpitante e elevada espiritualidade nelas todas.

Não houve acaso.

Conscientemente, rendem-se por isso graças a Deus, na oportunidade de tanto privilégio em preciosos encontros.

Os cartões, de cada um, nem seria necessário frisar, guardam-se como significativa relíquia e muito amor e carinho.

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