Publicado: Quarta-feira, 26 de março de 2008
Caxias do Sul
Como um dos recursos aptos a ensejar uma saudável higiene mental, poucas alternativas substituem a o prazer de viajar.
Vem daí que as agências de turismo se esmeram em proporcionar excursões por todos os recantos, inclusive para o exterior. Um meio excelente de aprimorar conhecimentos e enriquecer a cultura pessoal. Nesses empreendimentos, o viajante por assim dizer, não se preocupa com os detalhes e tudo está previamente acertado. Além do que surge a oportunidade de contatos pessoais com os demais integrantes de uma excursão e não raro resultam novas amizades.
Faz, no entanto sensível diferença viajar por conta própria, mesmo a despeito dos percalços e surpresas ao longo do passeio, a exigir um bom jogo de cintura. Mais ainda se houver chance de não sair com data de volta rigorosamente marcada. Bom quando se pode anunciar que a viagem em princípio vai durar uns quinze dias, por hipótese. Para dizer assim que a ausência poderá ocorrer por doze ou talvez dezessete dias. Sem rigor de prazo enfim.
Como primeiríssima vantagem, a livre escolha quanto a não visitar algum local de menor interesse, como também a de se optar por outro não previsto numa excursão. Conta muito nessa modalidade de passeio mais solto, poder permanecer mais tempo ou menos tempo, aqui ou ali, ao talante de cada um. Sem falar nas paradas de lugares especiais ou de paisagens a serem admiradas com particular atenção.
Fique ressaltada enfim a principal vantagem do deslocamento ao bel prazer do viajante. A oportunidade de contato direto com as pessoas moradoras de qualquer lugar, ver-lhes os hábitos de perto, inteirar-se de mil e um pormenores que uma rigidez de horário não permitiria.
Passeio desse gênero, livre e desimpedido e sem pressa ou exigência para cumprimento de horários e roteiros, bem a esmo, é o que se tem buscado, sempre que possível e a situação o permita. Agora, na primeira quinzena deste março que se encerra, deu-se a oportunidade de outra uma ida ao sul do país e, mais precisamente, a Caxias do Sul e imediações. A segunda cidade do estado.
Foi diferente desta vez. Sob convite de um gaúcho de quatro costados, o sobrinho Osmar, embora hoje radicado em São Paulo, viveu-se uma semana de folguedos, visitas, papos e encontros. De sobra, coincidiu a estada com a famosa Festa da Uva, uma concorrida mostra bienal. Estima-se que um milhão de visitantes tenham passado pelos pavilhões monumentais.
Daqui de cima, se olha sempre o gaúcho como um camarada apegado à terra e de ar superior. Mas se o visitante se integra no âmago de sua gente, nas ruas e nas famílias, entende-se este justo orgulho dos irmãos do sul. O amor ao próprio solo é natural em qualquer canto do Brasil, mas ainda não se viu gente mais ciosa de suas origens e tradições do que no Rio Grande lá de baixo.
Houve por exemplo incursão por estradas de terra à região montanhosa das tantas colônias de plantadores de uvas. Parreiras sem fim. Aos imigrantes italianos se concedeu pequena área de terra a cada família e ali estão até hoje. Quem os visita é recebido com todo carinho e se for pelo fim da tarde, ainda é atendido e servido com o mais autêntico dos chamados cafés coloniais, em plena roça. Todos os produtos da farta mesa feitos ali mesmo.
Em vários dias, durante a Festa da Uva, ocorre um singular desfile nas ruas centrais de Caxias do Sul. Uma simpatia impressionante dos que desfilavam, em uníssono e completa integração com o povo que vibrava nas arquibancadas. Os carros alegóricos, de montagem simples, primavam pela mensagem que cada uma das colônias de vinhateiros trazia. O forte da apresentação residiu justamente no fato de que os próprios moradores estavam a compor cada grupo. Crianças, jovens e adultos.
Como se fora corolário de dez dias de um proveitoso passeio, presenciou-se um fino espetáculo de dança contemporânea, na última noite vivida em Caxias. Um grupo mantido pela própria Prefeitura. Aconteceu no Teatro Municipal, em um magnífico prédio no centro, moderníssimo, no qual funcionam a Secretaria de Cultura, Biblioteca e um aprazível café envidraçado com vistas para a rua.
Haveria tanto a se falar. Muito, muito mais. Dos imponentes monumentos da cidade, eis que a quantidade e tamanho dos monumentos se configuram na melhor expressão da cultura de um povo. Terra sem monumentos, ou não tem história ou, se tem, falta apego de sua gente até para com o que de mais caro possui. Igrejas portentosas, com destaque para a de São Pelegrino, arrojada na sua moderna concepção. Uma oportuna visita à moderna Editora São Miguel, dos frades Capuchinhos, com um jornal semanal de 99 anos, o Correio Riograndense. Irmão pouco mais novo da nossa querida “A Federação”, a completar em maio seus 103 anos.
Conversar nos cafés, trocar idéias nas bancas, papear com os da terra em supermercados, percorrer ruas e praças a pé, uma valiosa integração.
Este um mínimo do muito que se viveu lá.
A hospedagem, proporcionada em casa de parentes, que ora se agradece de coração, aos amigos Guio e esposa Abigail e aos simpáticos meninos, Felipe e Thomaz, sem esquecer da prestimosa Bianca, que mantém a casa impecável. Saudade dessa gente. Tão sincera acolhida resultou exatamente e com muita propriedade naquilo que muitas vezes até se fala mais por costume, o conforto de sentirem-se as pessoas como se em sua casa estivessem.
Ah, nem faltou, no domingo, dia 9, o mais legítimo churrasco gaúcho, no sítio (que eles chamam de chácara), de propriedade desse casal amigo. São dez irmãos, presentes no ato oito deles, com os respectivos familiares. Faltaram apenas dois, outro residente em São Paulo e a caçula, há alguns anos na Europa. Um domingo luminoso e alegre, ensolarado, que culminou ao fim da tarde com uma chuva de verão, salpicada de pedras.
Foi assim em Caxias.
Vontade de voltar.
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