Publicado: Quinta-feira, 7 de agosto de 2008
Cegos, surdos e mudos
“Quem se senta no fundo de um poço para contemplar o céu, há de achá-lo pequeno”. (Han Yu)
Não é fácil ser cego, surdo ou mudo. É muito triste e difícil qualquer deficiência, qualquer limitação. Quase sempre se transforma em discriminação e exclusão, principalmente em uma sociedade que valoriza excessivamente o ter, o poder, a fama e a beleza. Uma sociedade que "industrializa" o corpo padrão, a perfeição da moda; ai daqueles que não se enquadrarem!
Apesar de tudo, não vamos aqui nos deter nos aspectos físicos. O próprio Evangelho diz muito bem: “Pior cego é aquele que não quer ver”, “Pior surdo é aquele que não quer ouvir”. Não que Cristo não tenha se compadecido daqueles mal afortunados e herdeiros de limitações físicas e materiais os quais sempre tratou com carinho e atenção. Mas Cristo veio para os pecadores, para aqueles com deficiências bem maiores. Sim, porque muito pior é a cegueira da alma e do coração: aquela que impede o homem de ver fora de si, que o fecha nas trevas e o impede de abrir-se ao outro; que o impossibilita de ver o novo; de encontrar e reconhecer o Cristo verdadeiro e de segui-lo.
Muito pior é a surdez espiritual: aquela que impede de ouvir as verdades de Deus, únicas capazes de mudar a vida...
Ele sabe e sabemos nós todos que, sem ver e ouvir de verdade acabamos mudos, sem voz e sem vez. Acabamos “mais um” nessa massa que apenas segue adiante, movidos pelo que dita o mundo.
Não queremos ver nem ouvir, talvez para não ter que falar, porque não temos o que falar, não sabemos o que falar ou não temos coragem de falar e, pior, não queremos agir... Assim, ficamos em paz e deixamos como está, mesmo sabendo que vai piorar...
Temos medo de procurar Jesus e de imitar o cego de Jericó que aos gritos suplica incessantemente: “que eu veja, Senhor!”. Depois da cura, livre do seu passado de trevas e de sofrimento, de exclusões..., deixou tudo para trás e seguiu Jesus. Descobriu a luz e a verdadeira vida. Será exatamente disso que temos medo e preferimos continuar com nossa visão limitada e controlada: vemos o que nos convém, o que não dá trabalho, o que não nos compromete demasiadamente....
Ver e ouvir com clareza o que Deus deseja e, com a coragem do próprio Cristo, enfrentar a realidade. Falar e agir como verdadeiros seguidores de Cristo, como alguém comprometido com o seu Evangelho, com a Verdade.
São comuns os artigos denunciando a insensibilidade dos nossos governantes frente aos anseios e necessidades do povo sob sua tutela administrativa. Portam-se realmente como cegos, surdos e mudos e, o pior, demonstram suas “deficiências” seletivamente, segundo seus interesses. Têm razão essas “alfinetadas”, mas acabamos fazendo o mesmo... muitas vezes ficamos cegos, surdos e mudos às barbaridades e aos absurdos que nos cercam, às dores alheias e mesmo às nossas culpas, nossos erros.
Ver, julgar e agir. A Igreja tem utilizado essa metodologia na análise, principalmente, dos acontecimentos sociais. E é essa postura que recomenda a todos nós, seus fiéis seguidores. Sabe que faz muita diferença no modo como vemos, julgamos e sobretudo agimos diante das pessoas e dos fatos. Ver claramente, perceber corretamente é base fundamental para poder avaliar e fazer opção. Muitas vezes “julgamos” sem “ver”, outras “vemos”, mas desistimos de “julgar”. Fugimos do modo de ser de Cristo que provoca, questiona, denuncia e obriga a tomar posição. Como vemos, esses três passos se acham mutuamente relacionados. Ver e não se interessar é o mesmo que não ver; julgar sem agir é permanecer morno, insensível, incapaz de se comprometer, de assumir a missão que Cristo nos confiou.
Não fazemos a nossa parte, "sobrando" tudo para Deus, que não pode concordar com nossa acomodação..., e só achamos que Ele acerta quando atende nossas vontades.
Por tudo isso, queremos ver e ouvir, Senhor, mas acima de tudo, queremos que aumente em nós a fé e a coragem, para que possamos converter a nossa vida e, ainda que aos poucos, nos transformemos em operários do Seu Reino, em seus fiéis parceiros nessa empreitada de transformar para melhor o Seu e o nosso mundo, dilacerado pelo individualismo e pelo materialismo, pelo egoísmo e pela discórdia. Ensina-nos, Senhor, a amar e a praticar a caridade.
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