Chaves: Politicamente Incorreto
Nos últimos anos a expectativa da morte de Roberto Bolaños sempre foi um assunto que deixava o coração dos fãs gelado. Aos 85 anos, com dificuldades respiratórias e locomovendo-se apenas com o uso de uma cadeira de rodas, finalmente o grande ator mexicano faleceu de verdade.
Ele começou no marketing, escrevendo roteiros de peças publicitárias para a televisão. Depois, passou a ser roteirista em programas de TV até dedicar-se à sua grande obra-prima. Seus personagens tornaram-se universais, levados para mais de 50 países de todo o planeta.
Acompanhar Chaves, Chapolin e companhia já era um tanto nostálgico nos idos de 1980 e 1990. Era perceptível a transmissão dos episódios gravados nos anos de 1970. Mesmo assim a tática do SBT, de reprisar sempre as mesmos esquetes, garantiu aos personagens de Bolaños um lugar cativo no cenário cult. O Chaves é pop. Chapolin é pop também.
Ainda hoje muitos se divertem com o menino de rua que mora num barril e convive com uma variedade de tipos reconhecíveis em qualquer das nossas cidades. Porém, o que poucos se dão conta é que todo o universo de "Chaves" é composto em um ambiente onde ainda não imperava a praga do "politicamente correto", uma maldição pseudo-sociológica que vem tornando a vida nesta terra cada vez mais sem graça.
Basta conferir alguns episódios para perceber: cenas de violência entre crianças; cenas de violência de adultos contra crianças; deboche da pobreza alheia; incentivo à vagabundagem; chacota contra obesos e idosos; etc. Isso sem falar em um professor que fuma charutos em plena sala de aula.
Um seriado como este, nos dias de hoje, seria sumariamente rejeitado por qualquer emissora de televisão. Chaves e Kiko não poderiam trocar sopapos; Professor Girafales não poderia fumar; seriam proibidas piadas sobre Seu Barriga ou a Bruxa do 71; Seu Madruga não poderia dar um croque na cabeça do Chaves, tampouco beliscar o braço do Kiko; teóricos da sociologia escreveriam a respeito da Lei Maria da Penha aplicada ao Seu Madruga, sempre vítima das pancadas de Dona Florinda; Chaves seria resgatado pelo Conselho Tutelar ou levado para a Fundação Casa, para não ficar na rua; e por aí vai. Esta é a época chata em que vivemos, que transforma tudo (até o que não se deve) em causa de contenda.
Mesmo com todos esses elementos as histórias de "Chaves" são compreendidas por públicos de todas as nações, pessoas das mais variadas faixas etárias e condições sociais. Nelson Rodrigues que me perdoe a comparação, mas nas tramas de "Chaves" temos a vida como ela é. Claro, com os limites que o tom predominantemente humorístico deixa transparecer sobre a realidade dos subúrbios.
Ainda bem que, menos mal, estamos na era da informática e da informação. As estripulias de Chaves, Chapolin e suas turmas estão gravadas em DVD e guardadas em computadores de fãs mundo afora. Basta acessar a internet para conferir inúmeros episódios via Youtube.
"Chaves" me acompanhou durante a infância e a adolescência. Mesmo depois de adulto não deixei de ser fã. De vez em quando, na hora de dormir, fico escutando os episódios na internet até cair no sono. De risada em risada, vou exorcizando as tensões do dia que passou e tranquilizando o meu espírito para o dia que virá. É muito bom dormir sorrindo.
Costumo dizer que ninguém morre de verdade enquanto permanece vivo em nossas mentes e corações. Roberto Bolaños (por sinal um defensor da vida dos nascituros contra as leis abortistas em seu país) conquistou sua imortalidade através do riso e do afeto que sentimos no coração como forma de agradecê-lo por tanto bem que nos fez através de suas criações.
Tinha que ser o Chaves mesmo!