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Publicado: Quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Cheiro de Infância

Crédito: Banco de imagens Cheiro de Infância

Há momentos em que a lembrança simples e pura de um tempo bem vivido nos invade sem pedir permissão, sem que, ao menos, estejamos preparados para recebê-las, e tomam conta de todo o nosso pensamento nos transportando para esse tempo tão distante.

Tudo começou quando hoje, andando pela rua, senti um cheiro de lenha que me transportou imediatamente para quando tinha entre 8 e 10 anos e fui passar férias na fazenda de café que meu avô tinha em Paranavaí, município localizado no noroeste do Paraná, juntamente com meus primos e primas.

Eram dias cheios de brincadeiras, corria descalça pelo chão de terra, me escondia entre os pés de café, mergulhava nos grãos amontoados no terreiro que ficavam ali para secar, subia nas pilhas de sacas de café que aguardavam a venda no galpão com tamanha destreza que num segundo já estava junto ao teto, não sobrava espaço nem para sentar, e sem qualquer noção de perigo descia, em seguida, na mesma velocidade que havia subido e lá ia eu e meus primos, correndo, livres por todo aquele espaço.

As refeições, todas feitas no fogão à lenha e por isso a saudade despertada diante do cheiro da infância, aconteciam sempre do lado de fora da casa, num puxado coberto com telhas sem qualquer forro, onde podíamos avistar os morcegos dormindo de cabeça para baixo, quietinhos, sem se deixarem importunar pela nossa algazarra. O feijão grosso, temperado com banha de porco, nos dava energia para continuarmos com as brincadeiras até o final da tarde.

Corríamos atrás dos pintinhos até o momento em que a galinha corria atrás de nós, colhíamos os ovos que ficavam espalhados em volta da casa mostrando a displicência das galinhas que não se interessavam em botar nos ninhos feitos no galinheiro, andávamos a cavalo, colhíamos frutas no pomar e tudo o mais que a liberdade e a criatividade infantil permitisse.

Quando o Sol começava a se pôr voltávamos encardidos, com terra até dentro do ouvido e um sorriso alvo e feliz estampado no rosto. O banho era quase que com caco de telha para tirar o vermelhão da terra roxa do Paraná.

Depois do jantar, meu avô sentava em sua cadeira de balanço na porta da sede da fazenda e nós, eu e meus primos, sentávamos no chão vermelhão da varanda para escutá-lo contar histórias, que normalmente eram de fantasmas e algumas até de terror.

Entre uma história e outra corríamos atrás dos vaga-lumes que nos enganavam, num pisca-pisca maroto, fazendo-nos ziguezaguear sem conseguir alcançá-los.

Após as histórias contadas na total escuridão, pois a lua nem sempre se fazia presente e as estrelas não davam conta de iluminar, chegava minha avó segurando uma vela presa por uma gota de parafina no pratinho que por estar na altura da sua cintura, iluminava seu rosto de baixo para cima, deixando-lhe com uma feição muito feia e aterrorizante que, potencializada pela tensão das histórias ouvidas, nos fazia tremer e gritar de susto.

Íamos dormir, mas antes juntávamos as camas para nos proteger dos personagens das histórias, e embalados pelo som dos grilos e coaxar das pererecas adormecíamos para no dia seguinte começar tudo novamente.

Saudade desse tempo! Um tempo inocente feito de coisas simples, onde nem luz elétrica tinha, mas o banho era sempre quentinho por causa serpentina que passava pelo fogão a lenha deixando a água uma delícia. Não tinha guloseimas, mas o bolo de fubá feito pela minha avó era uma delícia, as verduras colhidas na horta eram crocantes e aos domingos tinha caldo de cana, tão doce quanto o amor sincero dos meus avós.

Espero que eu possa, mesmo em meio a tanta modernidade, a tantos recursos tecnológicos, a tanta guloseima provocar no meu neto lembranças tão gostosas como essas da minha infância.

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