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Publicado: Sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Chuva de verão

Chuva de verão
Escultura de Jens Galschiot

O ódio foi se alimentando de cada palavra árida que vinha da sala de estar. "Não está ouvindo? Tá surda?". Foi a explosão. O primeiro corte, estreito do golpe profundo acima da clavícula, guarda o gume por alguns segundos enquanto saboreia os olhos do lazarento umedecendo com o fluído da morte iminente, mas ao voltar vem liberando caminho na derme para o sangue que começa a esguichar irregular. Enquanto aquele vermelho forte vai encharcando os braços da poltrona e pingando no tapete, outro golpe crava a lâmina no centro da larga testa do pobre. O corpo pesado fica parado. Como o porta-malas é pequeno, precisa ser feito um desmembramento, no quintal, com o serrote cego e enferrujado. Mais tarde, enquanto as formigas arrastam o verão para o quintal ela arrasta, transpirando e ofegante, a parte fria do brutamontes enrolado no tapete. Perto do carro, solta-o, escora-se no limoeiro e fuma um cigarro. Voltou do devaneio, guardou a faca na gaveta, tomou um copo d'água com açúcar e foi dormir.

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