Cicatrizes não doem
Quatro jovens voltavam de madrugada de uma balada, alegres, descontraídos, meio embriagados.
Bruno e Selma no banco traseiro, Ester na frente ao lado de Nestor que dirigia o carro a uma velocidade muito além da ideal.
Riam, namoravam e vibravam com a adrenalina da velocidade, do álcool, da excitação.
De repente, um momento de descuido e o carro saiu da estrada e rolou em uma ribanceira.
Ester faleceu na hora, Bruno teve uma perna quebrada e Selma o rosto desfigurado.
Nestor saiu milagrosamente ileso.
Os dias que se seguiram foram de muita angústia.
Bruno corria o risco de perder a perna e Ester jamais voltaria a ser a linda moça que fora.
Nestor foi acusado de direção perigosa, excesso de velocidade, lesões corporais, homicídio doloso e acabou entrando em um estado de profunda depressão.
O sentimento de culpa, incessantemente o martirizava.
Os amigos, submetidos a prolongados tratamentos, se afastaram e dentro de algum tempo o acidente foi ficando esquecido para todos, menos para o Nestor.
Largou os estudos, perdeu o emprego e foi se acabando aos poucos para desespero de seus amigos e familiares.
Até que um dia, caminhando ao longo da praia, solitário e pensativo teve uma surpresa.
Quem vinha lá?
Estavam muito diferentes, mas Nestor os reconheceria em qualquer situação, pois suas imagens não lhe saiam por um momento da cabeça.
Bruno mancava um pouco e Selma tinha uma grande cicatriz no rosto.
Mas estavam alegres, casados, com um filhinho, felizes.
Encontraram-se e o casal dirigiu-se amavelmente a ele:
- Nestor! Que surpresa! Mas, você parece abatido, não está bem?
- Estou péssimo! Nunca me perdoei pelo que eu fiz a vocês. Sei que vocês não me perdoaram.
Não conseguiu conter as lágrimas. Desde o acidente chorava à menor emoção.
- Que bobagem! Foi uma fatalidade. Já faz tanto tempo, esqueça isso. Já passou.
- Mas ficaram as cicatrizes...
- E daí? Cicatriz não doe.
- Pior são as feridas da alma que nunca cicatrizam.
- Cicatrizam, sim! Nós nunca o condenamos pelo que aconteceu, pois estávamos todos coniventes com o abuso. Não temos o que perdoar-lhe. Você é que precisa perdoar-se e retomar sua vida.
A partir de então, Nestor começou a reconstruir sua vida, lembrando das palavras do Bruno:
- Feridas da alma também cicatrizam e cicatrizes não doem.