Coisas da alma
No livro, As Cem Melhores Crônicas da Língua Portuguesa (Editora Objetiva), o profissional que compilou a matéria, proferiu uma aula memorável naquilo que chamou de Introdução, porque ali descreveu a alma, com magnífica proficiência, daqueles que se afeiçoam a essa modalidade de linguagem.
Tais autores, no fundo, estão afeitos a abrir o coração e a mente, para permitir vá ao papel o quanto de inspiração lhes ocorra, sem remendos nem recortes.
Fosse de se atribuir uma norma para tais trabalhos, seria inequivocamente a da espontaneidade. Mas, mesmo assim, convenha-se, espontaneidade não aceita cognominação de regra nem de imposição ou sujeição de qualquer tipo.
Por isso que o gênero faz mestres de muitos deles.
O coração não permite espera de que a inteligência raciocine e formule textos, eis que as ideias brotam quase que sem comando.
Esse é o cronista, perfeito e acabado.
Vaguear pelas ruas e praças, no aperto de um banco estreito de ônibus urbano, refestelado num banco de jardim, antes, no entremeio ou depois até de uma prece se seguidor de algum credo, o pensamento dele é suficientemente volátil para apreender consigo inspirações. Como que as coloca na bolsa, cuidadoso de não esquecê-las e, exageradamente, inclusive formula e encadeia algumas frases. Sonha.
Os circunstantes, se houver, talvez percebam nessa pessoa uma espécie de compenetração ou que até exteriorize nos lábios uma sensação discreta e furtiva de sorriso contido. Assume-se de si para consigo na possível pré-elaboração mental dos textos.
Todas essas sensações lhe proporcionam, sobretudo, bem-estar e se lhe cuida, esperançoso, de tanto quanto possível satisfaça a expectativa do público.
Não esmorece e às vezes inclusive o desperta e ajuda diante de legítimas discordâncias, resultado natural do provérbio latino de que “tantas serão as sentenças quantos sejam os homens”.
Perdoem desta vez a digressão teimosa de um tema, se soar estranho o depoimento.
Coisas da alma.