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Publicado: Terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Coisas da vida

Coisas da vida
A maturide desenha um corpo repleto de histórias

Nunca estive tão chata. Num estágio que nem mesmo eu me suporto; imagine o filho, a filha, o marido... Coitados.  E para aumentar ainda mais tanta chatice, percebo que as roupas do armário, algumas de muito tempo, não me servem mais: estão justas, agarradas, apertadíssimas. Existe algo pior do que engordar? Ah, existe sim... São os comentários das amigas observando os quilos que você tenta esconder de qualquer jeito. 

Nunca estive tão gorda. E sem nenhuma vontade para emagrecer. Passei muito tempo lutando contra a natureza. Nasci gordinha, tipo bebê Johnson. Quando comecei a andar não gostava de usar saias ou vestidos: as pernas se esfregavam uma na outra causando dor e desconforto.  Com o tempo aprendi a driblar a genética italiana: fechei a boca e segurei o peso. Cansei.  A maturidade me ensinou a gostar da imagem refletida no espelho.  Olho e vejo alegrias, dores e amores desenhando um corpo repleto de histórias a lembrar. 

Nunca estive tão madura. A maturidade nos liberta da gente mesmo. Existe uma linha da psicanálise que defende que todos os tormentos da mente moram dentro da gente e são consequências das nossas memórias; da forma como nossas lembranças são lembradas. Como assim? A cronista Martha Medeiros já escreveu sobre isso ao comentar o livro "O flerte", de Adam Phillips, e explica que “o que nos impede de ir em frente é uma lembrança mal lembrada que nos acorrenta no passado, estanca o tempo, não permite avanço. A gente implora a Deus para que nos ajude a esquecer um amor, uma experiência ruim, uma frase que nos feriu, quando na verdade não é esquecer que precisamos: é lembrar corretamente”. 

Ou seja, não conseguimos esquecer uma palavra ríspida do colega na hora do conflito; um olhar tenso do chefe durante uma reunião importante; uma bronca do pai na frente dos amigos ou a ausência do namorado na festa de Natal. Tudo já passou; se ajeitou; se resolveu, mas a nossa memória insiste na lembrança ruim, naquilo que nos escraviza, alimentado rancores e desafetos.  Não é à-toa que o psicanalista Adam Phillips afirma que "as pessoas procuram tratamento psicanalítico porque o modo como estão lembrando não as libera para esquecer". 

Nunca estive tão livre. Livre da culpa, da moral, da vergonha, dos padrões... Das lembranças mal lembradas. Sem medo de dizer o que sinto; o que penso, com jeito e respeito, sim, porém segura.  Direta, ao ponto. Errei? Sinto muito, corrijo e recomeço. Não gostou?  Diga-me o porquê, da próxima vez posso acertar. 

Sem máscaras e disfarces, penso e crio. Faço minha história.  Afinal, na essência da natureza toda vida é leve e solta, bem mais simples do que queremos.  E se passamos um longo tempo complicando-a; no final, é nosso dever descomplicá-la. E libertá-la!

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