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Publicado: Quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Com a palavra, Seu Toninho

 

O voto é mesmo consciente?
 
Seu Toninho acomodava-se sentado sobre a guia da calçada, próximo a um ponto de ônibus. Conversava em um tom de voz relativamente baixo com outro homem, - este parecia bem mais jovem - mas suficiente para ser ouvido por quem também ali se aconchegou para aguardar o transporte. O assunto que lhes tomava a atenção era o mesmo que invade a casa de todas as famílias brasileiras, de quatro em quatro anos: as eleições municipais. O local do diálogo influenciou que tópico seria discutido por eles, da maneira mais informal que se possa imaginar: a qualidade do transporte público da cidade.  Seu Toninho – só pude saber seu apelido, pois o interlocutor deste senhor não se cansava de repeti-lo – dizia que há muito, em Sorocaba, se reclama de atrasos e problemas com algumas linhas específicas. 
 
 
- Isso já é véio na cidade, fio. Ônibus atrasa sim e em dia que tá quente, é um inferninho danado. Mas melhorou bastante de uns tempos pra cá. Eu até gosto de passear nele de vez em quando. É assim mesmo, cê acostuma.
 
O transporte chegou. Acabei ocupando um lugar logo atrás de Seu Toninho e seu colega, e assim ouvi opiniões dúbias do bairro em que partimos até o terminal. Descobri que este senhor de aparência tranquila tinha um neto que estudava em uma creche municipal e estava muito satisfeito com o trabalho lá desenvolvido. Descobri também, que a vizinha do rapaz mais jovem procurou vaga na mesma creche e não a obteve.  Ambos estavam satisfeitos com a construção do Banheiro Público no Centro.  Por outro lado, concordavam sobre a demora no atendimento em alguns postos de saúde. Opiniões genéricas, como não poderiam deixar de ser. Pouco citaram o nome dos candidatos a prefeito da cidade, embora Seu Toninho, logo nos primeiros minutos, já tivesse manifestado um nome de sua preferência. A conversa se esgotou, quando já estávamos próximos ao terminal, com uma dúvida que universalizava em Seu Toninho, o cidadão comum que trabalha todos os dias e não tem tempo para acompanhar todas as minúcias da política, querendo apenas o melhor para si, sua família e sua cidade, num contexto geral: 
 
- Acho que vou votar nele mesmo, mas não sei direito. O cara tem ideias muito boas, mas vi que os outros também têm. Eu sei que ele também num é nenhum santo, mas como eu vou saber o que é verdade e o que não é, de tudo isso que sai no jornal? Nem tenho tempo pra ver tudo. Política é uma desgraça mesmo. Só querem saber de roubar da gente. 
 
O jovem manifestou-se que talvez votasse nulo, tanto para prefeito, quanto para vereador. Todos desceram. Pela conversa, não pude descobrir se Seu Toninho era parente, amigo ou se havia acabado de conhecer o rapaz mais jovem naquele mesmo ponto de ônibus. Sequer soube o nome deste segundo personagem. Tampouco qual era a profissão deles. De classe C ou D? Jamais saberia. Mas não era a primeira vez que ouvia este tipo de opinião. Aliás, a maioria dos jovens (com a minha idade, ou mais novos) acabam optando pelo voto nulo por sua descrença na política. Não concordo, mas entendo o que isto representa. A menos de uma semana para as eleições, é este o quadro de grande parte da população. Alguns escolhem o candidato pela propaganda na televisão, outros pelo debate eleitoral. Outros já foram conquistados com um aperto de mão e uma promessa firmada com um “olho-no-olho”, nas visitas dos candidatos aos bairros da cidade. Mas certeza absoluta, para não entrarmos num debate filosófico, possivelmente não exista, salvando a exceção das militâncias partidárias. Mas aqui não falamos de partidarismo, mas do povo. Esse senhor que não acompanha o jornal todos os dias e tem muitas dúvidas e o rapaz que nem gosta muito de política então diz que vai votar nulo. É a eles que me refiro.
 
E se não existe, é porque votar é uma tarefa hercúlea. Destas de subir a montanha, enfrentar um exército de inimigos, matar o dragão e salvar a princesa. Ou qualquer outra versão menos fantasiosa que vier ao leitor. Mas uma tarefa árdua. Um prefeito tem quatro anos para decidir e executar os rumos da cidade, planejar e remanejar o orçamento para as secretarias e melhorar a vida da população. O eleitor, que costuma deixar tudo para a última hora, costuma ter apenas três meses para decidir quem é o melhor para fazer tudo isso. Na maioria das vezes, como Seu Toninho, dois ou três dias.
 
Se quiséssemos ser totalmente racionais com o voto, sem deixar escapar nem um detalhe, precisaríamos de muito mais de três meses. Ler todos os jornais da cidade. Conhecer a história destes jornais e saber se têm alguma ligação a qualquer sigla, antes de tudo. Teríamos trabalho de jornalista: entrevistar secretários de governo, funcionários públicos e comerciantes. Entender profundamente de economia e gestão pública para avaliar os gastos realizados pela prefeitura. Ter conhecimento jurídico para avaliar possíveis casos pendentes com a justiça e até mesmo opinar se a decisão de um ministro ou juiz é válida ou não, mediante determinada ação. No voto utópico, seríamos todos doutores. 
 
O comercial da TV poderia mudar para “Vote consciente, mas não tanto assim”. A consciência é relativa. Se o voto fosse uma tarefa simples, os mais estudados entrariam em consenso com facilidade. Mas sabemos que isto não existe. Os quatro candidatos são extremamente inteligentes e o demonstram nos debates e em suas campanhas eleitorais. É indubitável. Embora muitos discordem, não existe aqui a dicotomia do bem e do mal. Existem ideias, propostas e personalidades que diferem muito entre si. 
 
Se as pessoas são assim, multipolarizadas, seus representantes não podiam ser diferentes. Um imbróglio de sentimentos, história de vida, currículo, ideologia. Tudo junto e embaralhado para o eleitor organizar com o tempo hábil de quem toma um ônibus e discute no caminho. De quem faz uma pausa no almoço e conversa com o colega de trabalho. De um diálogo descontraído num final de semana. E é este mesmo eleitor, que não se sabe a idade, o nome ou a profissão - mas que carrega consigo o pesar do esforço diário de seu trabalho – quem vai decidir o futuro de nossa cidade e por que não, do Brasil. Sobre o pedestal máximo da democracia, ali está ele: Seu Toninho.
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