Conto de Natal
Às vezes, em pequenas cidades, acontece de algum comerciante ou pequeno industrial prosperar a ponto de, ao fim de algum tempo, tais empreendimentos se transformarem em fábricas de médio e até de grande porte, ou num centro comercial distribuidor de produtos que encontram consumo nas mais distantes cidades. Torna-se de renome regional ou mesmo nacional, quiçá a alcançar inclusive o exterior. Nessa circunstância, as localidades assim favorecidas, passam até a serem mais conhecidas e, o que muito significa, beneficiadas em suma como um todo.
Nascera destarte, despretensiosa, a Confecções Brilhante, que ao cabo de menos de vinte anos, colocava seus artigos até em estados limítrofes. Benefício direto aos moradores, pois uma parcela considerável deles garantia ali seu ganha pão. Entre os locais, nos seus primórdios, ficou carinhosamente apelidada de fabriqueta e assim permaneceu, em sinal de orgulho, afeto e simpatia, jamais como desdouro.
A administração e a gerência eram exercidas pelo senhor Luís Andrade de Queiroz, coadjuvado de perto pelo filho, Gonzaga, engenheiro formado, nos seus 27 anos. Mesmo tão moço, era auxiliar direto de seu pai e, a bem dizer, ambos desempenhavam a mesma função. Esse pormenor, logicamente, tinha especial importância e possibilitava ao genitor conduzir seus negócios sem maiores preocupações.
Com a boníssima e generosa dona Antonia, compunha-se então uma família harmoniosa e benquista, cristã, estimada e respeitada. A realçar, acima de tudo, a simplicidade dos três, quase uma contradição, diante das possibilidades de se esfalfarem em luxo disperso. Extremamente comedidos, queridos de todos.
A extravagância deles se resumia a uma viagem de quinze dias, em maio dos anos pares, a Portugal. A visita à Fátima, essa era sagrada. Não eram descendentes de portugueses. Atribuíam, isto sim, a Nossa Senhora, a recuperação de dona Vera, que certa feita caíra em grave enfermidade, já desenganada pela medicina. Um milagre, costumavam dizer.
Viajavam os três sem qualquer preocupação, eis que o quadro de funcionários burocratas era da melhor estirpe e liderado por um empregado fiel, pouco mais velho que o Gonzaga, mas amicíssimo deste, a parecerem irmãos. Seu nome, Henrique.
Na verdade, a família do industrial convivia de perto com a do Henrique, além do fato de serem vizinhos. Um entrosamento natural, feliz, sincero, a se frequentarem diariamente, como se laços de parentesco houvesse. Queriam-se, uns e outros, de forma notória e admirada pelos amigos.
Colaboradores em todas as festas da Paróquia, os dois núcleos familiares cuidavam de praticamente tudo e com um prazer manifesto.
Uma das mais caras tradições da Confecções Brilhante e que movimentava quase que a população toda, era a comemoração do Natal. A fabriqueta entrava em recesso no dia 20 dezembro e só retornava às atividades em 10 de janeiro.
Com o pátio de entrada todo embandeirado e uma infinidade de barracas com comestíveis e guloseimas à vontade. O auge da confraternização se dava ao fim da missa do galo, tradição ali conservada à risca. Operários e povo, as famílias do Gonzaga e do Henrique com todo o jeito de ser uma só, cumpriam extenso programa das mais variadas diversões. Muito aguardado, o discurso do proprietário, seu Luís. Breve, porque imediatamente depois de sua fala entrava a Banda da cidade, com o hino nacional por primeiro, seguido das canções natalinas e, madrugada alta, à vontade para números pedidos pelo povo.
Num dado Natal, contudo, o seu Luís quebrou a praxe.
Dentro da Igreja, finda a missa, o Pároco ao lado, ele fez um comunicado que deixou a todos estupefatos.
Tinha duas boas notícias a dar.
Já vinha de meses que o Gonzaga tocara no assunto e, ele e o Padre, aconselhavam que tudo se fizesse com a necessária prudência e calma. Mas, enfim, a decisão fora tomada e toda sua família estava felicíssima: o filho Gonzaga, adulto, perto dos 30 anos de idade, resolvera firmemente ingressar no seminário e formar-se padre.
A admiração, surpresa e aplausos inundaram todos os recantos do templo.
Vindo o silêncio, o seu Luís foi ao segundo tópico.
Ele, dona Vera e o Gonzaga, refletiram e tinham certeza do acerto daquela medida. O amigo, praticamente irmão do Gonzaga – o Henrique – assumiria as funções daquele. O júbilo e a confiança eram tamanhos que, prosseguiu o industrial, o jovem Henrique iria assumir a gerência, mas como sócio da fabriqueta, eis que fora aquinhoado com dez por cento do capital.
Alegria, palmas, vivas, emoção e lágrimas.