Conto de Natal (2017)
Natal, surpreende sempre
Era uma chuvinha fina, quase inaudível aquele ruído leve e contínuo, ótimo indutor de um sono tranquilo. Fora como se as nuvens estivessem com preguiça ou receosas em talvez exagerar e provocar, quem sabe, desconfortos...
Mas também não era usual chover na região, em fins de ano.
Mas essa surpresa do tempo em antevéspera do Natal, também não chegava a amolar ninguém.
Muito ajudou no caso, tratar-se de uma cidade pequena, de habitantes cordatos e unidos. Todos se queriam naquele lugar, se assim se possa dizer.
A rua principal, nem por isso tão larga, quase que permitia falarem-se ou se cumprimentarem os transeuntes, na própria calçada como na fronteiriça. Quantas quadras, quarteirões diga-se, ela poderia conter? Seis, oito se tanto? Num único lance, as quadras seriam percorridas em poucos minutos.
Mas não.
Não, por que?
Ora, todos se conheciam. E ninguém passaria batido, sem parar várias vezes, para um dedo de prosa.
Nisso surge uma ambulância em alta velocidade e segue diretamente para o hospital.
Evidente que os que caminhavam em sentido contrário a tal veículo, pararam um instante, para de imediato inverter a caminhada. E as pessoas que já vinham no mesmo sentido da ambulância, mudaram apenas de postura. De andar, começaram correr na mesma direção. Numa reação automática buscavam chegar logo ao único hospital da cidade. Em frente ao nosocômio, uma falatório desencontrado.
Gradativamente, boca a boca, todos se inteiram do acontecido.
O garoto de seis anos, Rafael, caíra da mangueira do quintal de sua casa. Peraltice que, sempre, cometia quando os pais se distraíam. Não mostrava ferimentos, mas permanecia desacordado, a se compreender então o desespero de todos.
Em casos dessa espécie, enquanto a notícia anda se espalha, muitas adições surgem. Quebrara a perna direita; um galho quase que lhe fura o pescoço; não fora vista cair. Em poucas horas, mil versões.
Os mínimos e parcos recursos da cidadezinha quase vila, indicaram a transferência para centro apropriado, a pouco mais de quarenta, quilômetros.
A antevéspera de Natal, ali, se prenunciava soturna. As ruas, bares, lojas e esquinas, atulhadas. Uns e outros, preocupadíssimos.
O dia seguinte, 24, inspirou a formação de correntes de orações por todo lado. População diminuta, afeita a séria convicção religiosa. O Natal, pois, ali se comemorava com unção e convicção, eis que muita gente da redondeza se sentia atraída pela hora da Missa do Galo. Desta vez, entretanto, nem se formaram as habituais rodinhas no encontro com parentes e amigos. Todo se encaminharam diretamente para os interiores da Igreja Matriz.
O celebrante, frei Pascoal, mais parecia um jovem do que aquele sacerdote de espiritualidade marcante, nos quarenta e seis anos. E de cativante simpatia. Mas, fora de seus hábitos, silente.
Tanto que seus gestos naturais e despojados levavam todos a pensar se não ficara, logo ele, condoído com o acidente do Rafael.
A Santa Missa, estranhamente, diferia das de anos passados, o povo agora um tanto consternado, como a esperar informações sobre o menino.
E chega o momento do ofertório.
Os componentes daquela pequena procissão, se arranjaram então para adentrar a Igreja. Os fiéis como de hábito se voltam para a entrada do templo.
À frente, todo inteiro, risonho como de hábito e bem acordado, o Rafael, a carregar pequeno cartaz de saudação de Natal.
Logo atrás, o cortejo dos demais.
Não andara o menino mais de cinco metros, num silêncio e até ali sob pasmo geral, quando o povo não se conteve e prorrompeu num farto e demorado aplauso, todos os presentes a revelar aquele misto de surpresa e de alegria. Fora como se estivessem a presenciar um autêntico milagre.
Essa Missa do Galo entrou para o histórico da modesta e feliz comunidade de Águas Claras.