Crônica: Palahniuk está entediado

Estou entediado. Não do tipo que se martiriza pela falta do que fazer. Mas por não estar afim de fazer o que há para se fazer.
Nada.
Nada mesmo.
E só pelo prazer da companhia, vou entediá-lo também.
Aqueles seriados recém adquiridos não parecem mais tão interessantes. O tablet novo perdeu a graça. As férias prolongadas de um emprego que ainda não chegou. Freelances tão rápidos e sem emoção quanto um filme da Sessão da Tarde. Destes eu prefiro não falar. Longe de mim querer afastá-lo. Até mesmo um texto que pretende atingir o tédio, precisa alcançá-lo aos poucos.
O celular toca. Não uma ligação. É uma mensagem de alguém que eu esperava há muitas horas, mas o conteúdo dela é um pouco diferente do que imaginava. Na verdade, é bem diferente e me irrita. Ninguém gosta do inesperado. Você pode até dizer o contrário, mas adora acomodar sua bunda e ficar por horas na sua página do Facebook. Recebe os mesmos feeds de notícias. Conversa com as mesmas pessoas sobre as mesmas coisas. Vai para os mesmos lugares e ouve as mesmas músicas.
As mesmas coisas.
As mesmas músicas.
Ninguém gosta de ser contrariado. Menos ainda quando esta mensagem que você esperava tanto interrompe uma leitura está te prendendo ao máximo. Com uma força inexplicável, que puxa e machuca. Um cão que lhe agarrou o braço e só vai soltá-lo às custas de algumas gotas de sangue. Um tal de Chuck Palahniuk escreveu o livro. Você já deve ter ouvido falar dele. Clube da Luta, Cantiga de Ninar, Sobrevivente. Aliás, este último é o que estou lendo. Conta a história da última pessoa viva participante de um culto fundamentalista. Uma pessoa com muitas manias esquisitas e conhecimentos sobre como tirar manchas das coisas. E que recebe ligações acidentais de pessoas querendo se matar. Escrito pelo mesmo autor de uma história em que um garçom urina nos pratos que serve. Uma gracinha esta obra, perfeita para a família.
Palahniuk gosta de escrever desta forma. Assim mesmo, com muitos pontos finais. Palavras simples, alguns palavrões. Porra. Merda. Caralho. Ele não se importa com o que a crítica dirá. E nem precisa. É sua força semântica que atrai milhares, milhões. Diz-se por aí que durante a leitura de um de seus contos mais famosos, "Guts" (Tripas), dezenas de pessoas desmaiaram. Pode parecer exagero, mas leia o texto e depois me conte o que achou. Só não reclame que é pesado, nojento ou imoral. Está avisado.
Esta forma de expressão, somada às suas convicções anticapitalistas e seu profundo interesse pelo esquisito e obscuro atraíram a atenção do diretor David Fincher. Sim, aquele filme com o Brad Pitt e Edward Norton. Com participação de Helena Bonham Carter, em seu primeiro papel de maluca, que se reprisou em tantos filmes depois deste. Alice no país das maravilhas. Sweeney Todd. Os Miseráveis, agora em 2013.
Talvez eu nem esteja sabendo como imitar Palahniuk. Com certeza estou sendo mais prolixo e pouco criativo. É que estou entediado, sabe. Respondo a mensagem indesejada e aguardo uma réplica que não vem.
Gosto do tédio porque ele me economiza algum dinheiro. A distância entre a cama e a bolsa é muito grande, o que evita visitas ao meu cartão de crédito. Ele e a internet não combinam. Ninguém precisa de capas extras para o celular. Nem de mais livros, quando a prateleira já transborda títulos que ainda não foram lidos. E o celular não toca. Nenhum barulho sequer.
Hoje é uma madrugada de sábado. Ou de um domingo, não sei ao certo. Segunda? Sei lá. Para mim eles parecem todos iguais. Papo de gente caseira. Que lê o jornal mas não repara nas datas. E mesmo quando as notícias atentam à saída do Papa e às milhões de assinaturas pela cassação do mandato do presidente do Senado, Renan Calheiros, a única coisa que realmente importa é que esta merda de celular toque logo com alguma resposta satisfatória. Veja só, consegui emitir um primeiro palavrão, e ele nem é tão palavrão assim. Desculpa, Chuck.
Não sei nem porque desvio o assunto para estes tantos outros temas. Nem mesmo Chuck é o que me interessa. Na verdade interessa sim. Só não consigo prestar atenção em suas pequenas frases pontuadas com este maldito hiato de mensagens em mente. Deve ser algum tipo de doença, não sei. Mas este texto não é sobre o tédio, nem sobre o cinema, muito menos sobre o papa. É sobre a mensagem que eu não recebi.
Com uma diferença de dez horas entre minha mensagem enviada, o celular finalmente toca. Registro aqui o que sucedeu: "Claro informa, sua fatura está em atraso. Por favor, entre em contato com nossa central".
Palahniuk está entediado.
Muito entediado.